quarta-feira, 12 de julho de 2017

Recordando você.

TESTE                                                 Recordando você!

                      Tá difícil entender como tudo aconteceu. De repente, a saudade me faz voltar ao tempo em que vivemos as mesmas dificuldades e angustias e porque não esparsas alegrias conquistadas pelo convívio de seus atores.  Tínhamos uma mãe que nos amava por atitudes, nem sempre por gestos ou palavras, mas no cuidar, principalmente no enfrentamento dos males acometidos na infância, quando ficava rezando e cuidando pra que nada acontecesse com seus filhos. Quantas vezes tivemos o privilégio de ter uma mãe cuidando para que o mal não nos abatesse. Era ela a guardiã de nosso sono, no controle das febres e nos banhos de imersão. O seu amor transcendia e se repartia para atender os filhos.
                     Você foi o sexto dos dez irmãos. Era muito tímido e, lembro-me quanto medo eu tinha que você se perdesse quando saíamos juntos. Nossa mãe sempre trazia outro filho nos braços e você, quase sempre, vinha sendo puxado por meu pai ou pela irmã mais velha.  Você foi o primeiro homem, depois de cinco irmãs, e nem por isso foi poupado da rigidez paterna, culturalmente natural na época, e que só o tempo tratou de nos mostrar o porquê, diante das dificuldades que a família vivia. Nós dois, em tempos diversos, nos reconciliamos com o passado e aprendemos a admirar aquele que viveu para cuidar de todos nós. Restitui a figura do pai herói depois que, já adulta, conseguir entender com maior clareza os seus motivos e conduta. Grande pai!
                      Lembro-me de levá-lo à escola no seu primeiro dia de aula. Era uma criança carregando outra pela mão. Minha mãe estava cuidando dos menores, as mais velhas trabalhavam ou estudavam em horário diverso do nosso, e a responsabilidade coube a mim. Fui puxando você até a sua sala de aula. Você não queria entrar, não queria sentar, até que a freira fez você sentar. Sai com o coração na mão de vê-lo tão abandonado, a mercê de uma classe que considerava inimiga. Você custou a se adaptar e deve ter sofrido muito.
                O tempo passou e quando, eu estava lecionando, lhe falei sobre um concurso para, na época, auxiliar de secretaria da escola estadual; você concordou. Foi aprovado e, talvez, a partir daí, você tenha se libertado das amarras que lhe aprisionavam na timidez de seu corpo. Ao longo do tempo todas as dificuldades físicas foram superadas e surgiu o Zé Secretário. Esse envolvimento mais radical, a dedicação sem medida e a roda no barzinho com os amigos rendeu a nossa mãe, rezas e preocupações.
                      Você, Zé Secretário era marrento, aprendeu com a vida a lutar pelos seus direitos e tinha sonhos esquerdistas de se opor ao governo repressor. O Zé secretário das lutas sociais, das paralisações, da cervejinha com os amigos, do confronto. O Zé que participava das ações que acreditava. Filiou-se ao partido dos trabalhadores, onde foi um companheiro incansável de luta. Acredito que hoje, o partido perde o seu mais fiel companheiro.
                  Confesso que, mesmo tendo os mesmos ideais de um país mais igualitário, as nossas visões de mundo não combinavam. Não compactuava do radicalismo de suas ideias e as formas de resolver as questões sociais e políticas, às vezes de forma mais agressiva e passional, mas isso nunca diminuiu em nada o amor de irmãos. Esse que se preserva no coração e nem a ação do tempo ou as vicissitudes da vida consegue apagar.
                     Hoje, com o distanciamento do tempo, arrisco a dizer que me pareço muito com você. Sempre gostei de escrever textos e poesias sociais e políticos onde imprimia a minha revolta contra o regime em pauta, mas nunca me filiei a qualquer partido. Participei de greves da categoria, mas nunca empunhei bandeira ou participei de confronto político e quando percebi que nem todos aceitavam opiniões e pensamentos divergentes e que, em muitos casos, isto era motivo de término de amizade pessoal ou familiar, priorizei minhas ações. Prefiro colecionar amigos e família a perdê-los por ser contrária e divergente nas opiniões. Afinal, cada um tem no pensamento e no coração as suas próprias crenças e opiniões e já passou a minha fase de ideologia de lutas pelos oprimidos, prefiro ações mais pontuais e concretas. 
                     Há muito desisti de por no papel o que penso e acredito. Hoje, elejo o silêncio como meu companheiro de luta e a desilusão por toda classe política me faz ficar longe de qualquer pensamento mais radical de luta. Penso que é no voto que o brasileiro vai poder se rebelar e mostrar a que veio. Eu evitava discutir isto com você, sabia que não concordaria comigo.
                   Outra coisa que nos assemelhava era gostar de escrever. Neste "querer literário" me parecia com você. É claro que a sua verve literária nada se compara com a forma tacanha que me expresso em prosa ou verso. Você, Zé literário, é um autor introspectivo, detalhista e até, muitas vezes, de difícil compreensão, devido à maneira tão própria de se expressar. Seus versos são marcados por dilemas de uma adolescência sofrida e a resposta, muitas vezes agressiva, de incompreensão e rebeldia. Seus contos e livros, fictícios ou não, retratam vocabulários rebuscados, nem sempre usados no dia a dia, mas que denotam um autor de capacidade intelectual acima do normal. Mas, com certeza, se analisado por escritores de renome, estará na lista de grandes autores.    
                 Mas, fomos parecidos em muita coisa: na timidez quando criança e adolescente, nos “bullying” sofridos na escola, no surgimento da vontade política de ajudar o mundo, no comprometimento literário e de sempre retornar as raízes familiares e procurar a compreensão da nossa história. Na verdade, irmão, tínhamos os mesmos sonhos, mas não o mesmo modo de agir. Éramos semelhantes no amor pela família e nos conceitos éticos e morais transmitidos por nosso pai. Não faltávamos nos Natais e festas e reuniões familiares na casa de nossos pais, mesmo quando o Natal passou a ser em  minha casa, você fazia questão de estar presente. 
                     Havia respeito entre nós em relação à família e religião. O seu ceticismo em relação às regras pré-estabelecidas, não o impediu de constituir família, ter filho e ser um pai exemplar. Quando a infelicidade bateu a nossa porta, com a perda de nossos pais e de nossa irmã que tanto sofreu, o sofrimento nos uniu e deixou ainda mais forte os laços que existiam entre todos nós. Éramos dez e agora somos oito, mas continuamos dez em nossos pensamentos.
                      O que mais me incomodava, era o fato de você dizer que não acreditava em Deus. Era ateu. Você foi criado no lar estritamente religioso, foi batizado, crismado, fez sua primeira comunhão e foi coroinha nas missas de domingo. Não sei quando você deixou de acreditar em Deus, mas sempre vi em seus atos, a presença dos ensinamentos cristãos. Jesus pediu para amarmos uns aos outros, como Ele nos amou. E você seguiu a risca esse ensinamento: amou seus irmãos, acreditou nos amigos, tentou melhorar a vida do brasileiro. Foi honesto, corajoso e revolucionário das causas sociais. O seu ceticismo religioso, não o fazia materialista, mas o fazia um defensor de suas ideias ateístas. Hoje, perdi um irmão e a sociedade perdeu um defensor das causas que acreditava.
                       Se me distanciei de você por nossas atitudes conflitantes, não me distanciei de você no meu coração. No coração, você continuou a ser o mesmo menino que eu tinha medo que se perdesse quando saíamos com a família para passear. Aquele que eu queria ajudar, mas que muitas vezes não concordava com suas opções e com o modo radical com que encarava a sua vida.
                    No meu pensamento, você foi para o Céu e lá, ao se encontrar com Deus, ainda sem acreditar na vida após a morte, verá o Criador que lhe dirigirá a palavra:
                        - Seja bem vindo, companheiro!
                        - O que faço aqui? – responderá incrédulo.
                        O Senhor, que sempre é misericordioso, dirá:
                      -José Benedito de Oliveira Araujo, há tempo você diz que não acredita em Deus, mas Eu nunca deixei de acreditar em você.


Menos que nada

        

                                                           Menos que nada!

          Não somos nada! Como disse um filósofo, somos um pontinho preto, minúsculo, na imensidão do firmamento e, mesmo assim, nós consideramos grandes, altruístas e merecedores das melhores coisas. Somos super, mega e indestrutíveis! Somos os melhores, damos opiniões, prosperamos e conseguimos metas.
         Mas, a vida nos dá rasteiras e, constantemente, nos mostra nossa insignificância .  Quando isso ocorre, percebemos-nos incapazes de gerenciar nosso destino e vemos que colecionamos perdas, frustrações e saudades. Aí nos sentimos derrotados e incapazes de nos erguer novamente. É a depressão que muitas vezes chega sem dar alarde.
          Nosso Pai, ciente de nossas fraquezas, nos possibilita o encontro do caminho, do retorno ao eixo do equilíbrio, ao encontro dos sentimentos que nos humaniza e nos torna irmãos. O maior destes sentimentos é o Amor, pois dele emana a fraternidade, o bem querer, o reconhecer do outro.
           É este sentimento, que nos faz transitar para o Bem ou para o Mal. Sem o Amor, nos sentimos mesquinhos, ingratos e intolerantes. E, com certeza, mais longe dos caminhos do Criador. Encontrar o significado da nossa vida, é o nosso desafio. Conhecemos o valor da família, o amor pelos filhos, mas longe do convívio familiar, em um sentido mais amplo, qual é o nosso papel? Que papel desempenhamos na sociedade? Estamos sendo merecedores da Vida com que o Pai nos presenteou?