terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Silêncio


SILÊNCIO!

            Silêncio! Quando o coração chora, as lágrimas secam e as palavras não fazem sentido. É hora de Oração! Somente a Justiça Divina é capaz de entender e premiar almas tão jovens que prematuramente partiram. Somente o Pai é capaz de consolar as lágrimas dos que ficaram.
            A justiça dos homens é para depois, quando as lágrimas secarem e houver condições de lutar por justiça. Infelizmente, tudo será esquecido pela grande maioria, mas os que sentiram a dor de ter arrancado do peito o próprio coração, estes serão as vozes que clamarão por Justiça e impedirão que outras barbáries aconteçam.
             Silêncio! Ouça a voz da Fraternidade! Muitos estão ajudando, cada um a seu modo, com o que podem. Aos que estão longe, unam-se em Oração. Todos precisam orar pelos que se foram e pelos que na terra sofrem a dor da partida.
            Silêncio! É hora de Oração!      

Amor de mãe


AMOR DE MÃE

Quando lhe olho sorrindo, quando lhe vejo tão lindo,
Quando lhe vejo acordado, quando lhe pego dormindo,
Sei se o paraíso existe e que o céu é aqui.
Nestes momentos, não sei se estou em você
Ou é você que está em mim.

Quando lhe vejo chorando, não querendo de mim se apartar,
Quando lhe vejo brincando, não querendo minha voz escutar,
Não sei se chora de saudade ou se cansou de me ouvir,
Só sei que no seu coração, há sempre um lugar para mim,
Porque eu estou em você e você está em mim.

Quando lhe vejo homem com objetivos e sonhos,
Não lhe encontro todo dia, nem ouço a sua voz rotineira,
Sei que de qualquer maneira em seu coração,
Há um lugar para mim.
Não o tenho por inteiro, mas tenho um lugar cativo,
E, neste pequeno lugar, eu habito e vivo
E sei que estou em você como você está em mim.

E será assim... Eternamente,
Até quando Deus quiser.
Eu sempre estarei em você e você estará em mim,
E somos só um, mesmo que haja três corações
A dividir esse amor.
Porque só o amor de Mãe aumenta, quando se quer dividir,
E só os filhos são Únicos, mesmo com “tri divisões”
É coisa de amor infinito, é coisa de amor de verdade,
Que não se pode entender, mas só traz felicidade.

Há sempre um lugar para chamar de seu.


HÁ SEMPRE UM LUGAR PARA CHAMAR DE SEU

            Perdida no meio do sertão, Portal das Flores tinha pouco a oferecer. O nome se dava por possuir um imenso número de flores exóticas nas margens de seu rio principal: o rio Trancoso. Nome que dispensava a geografia e, com certeza, não figurava nos livros geográficos.
          Viver numa cidade pequena tem suas regalias, mas também tem suas dificuldades. Muitos dos habitantes viviam na zona rural e o centro, durante a semana, era praticamente morto. A quitanda, a farmácia, o posto policial e a Sub Prefeitura resistiam à falta de pessoas e de novidades.
            Foi ali que Agenor nasceu e viveu até os vinte anos. Ele era um matuto. Um caipira do sertão onde as chances de sobrevivência não são computáveis ou mensuráveis por qualquer pesquisa de boa qualidade. Mas, conseguira alcançar a idade adulta, aos “trancos e barrancos”, porque Deus quis e, embora isso não fizesse sentido, devia ser por alguma razão.
            Nascera em uma família de dez irmãos e já na infância perdera a metade, vítimas de febre amarela, tifo e outras epidemias que iam e vinham, mas sempre deixavam um rastro de tristeza nos olhos da mãe inconformada com a sina da própria família. Religiosa, ela buscava ajuda nas orações e na batalha do dia a dia. Deus sabe o faz! O pai trabalhava na lavoura de sol a sol “pros japoneis”, como diziam os matutos do lugar. Era a única forma de trabalho. Trabalho duro e perigoso, devido a grande quantidade de agrotóxicos que eles usavam para livrar as plantações das pragas. Não havia roupa adequada, mas mesmo assim as crianças logo cedo já eram empregadas.
            Arlindo, o pai de Agenor, começara a trabalhar aos dez anos e esse ainda era o seu “ganha pão”.  A casa onde morava com a família era de pau a pique, onde a luz natural fazia dela um tapete de luzes que entravam pelas frestas da parede e que em época de chuva causava transtornos e desânimo aos que ali residiam. Na época da seca era hora de tentar tapar os buracos com barro para que a chuva não os pegasse desprevenidos. Completando a mobília da casa havia o fogão a lenha, o forno de barro, algumas panelas velhas, o oratório com vários santos que passavam de geração a geração.
          Luz só a natural: a luz do sol e da lua. Nas noites escuras eram os lampiões de querosene que os iluminavam até a hora do sono e, nas noites de luar, o som dos violões preenchia o silêncio. As famílias deixavam suas casas e se reuniam para as rodas de viola. Aí sim, parecia que o paraíso residia ali.
           Nos fins de semana, a família se reunia para a missa. A missa era sagrada e todos compareciam para agradecer e pedir a Deus por saúde e melhoria de vida.
           Médicos raramente vinham ao povoado e faziam somente socorros de emergência, além de distribuir remédios de graça que traziam numa enorme maleta. Era dona Maria, a esposa do subprefeito quem o acolhia em sua casa. O padre também fazia as refeições lá, embora dormisse em um cômodo feito pelos fiéis no terreno da Igreja.   
            Agenor, não sabia precisar quando as novas idéias começaram a ocupar seus pensamentos. Ele não sabia ao certo o porquê, mas, de tempos em tempos, a ideia de procurar algo além daquelas terras, o que nunca o animara, parecia ser convidativa.    
            Na verdade, se pensasse melhor, tudo teve origem em certo curso de EJA (Educação de Jovens e Adultos) que ele começou a frequentar na paróquia da cidade, ou melhor, tinha origem em certa professora que respondia pelo nome de Alice.
            Alice! Com certeza, não havia nome mais doce e imagem mais linda do que ela! Parecia uma fada ou uma deusa que parecia ter saído de um conto de fadas e desde o primeiro olhar, Alice o deixara nocauteado. Quando Alice foi embora, ensinar na cidade grande, Agenor tomou a decisão de mudar seu destino: ele também ia para cidade em busca da sua professorinha. Sabia ser aquele amor impossível, mas estava disposto a encontrar uma saída  Quem sabe o seu destino não estava com Alice? Era preciso melhorar de vida e estudar bastante para ser merecedor de seu amor.
            De saco às costas onde colocara algumas roupas, aliás, as poucas roupas que tinha e retratos da família, Agenor desembarcou na Rodoviária da Capital do Estado de São Paulo, distante de “sua amada” Minas Gerais e muito mais de sua cidade natal, Portal das Flores.
            São Paulo, o destino de todos! O barulho ensurdecedor de carros indo e vindo o deixou sem fôlego. Sem fôlego era a expressão certa, pois a fumaça dos ônibus deixava o ar irrespirável. Mas, o tamanho da cidade lhe deu a certeza que aquele era o lugar certo para arrumar emprego. As primeiras palavras ditas por ele ao chegar à estação foram:
            -Santo Deus! Que bagunça é esta? Com tanta casa neste prédio, porque estas pessoas dormem na rua?
            A noite chegou e Agenor teve resposta para sua pergunta. Sem lugar para ficar, ele também dormiu na rua, embaixo de uma marquise. No dia seguinte, procurou por emprego o dia todo; quando a fome apertou, Agenor se ofereceu para lavar pratos em troca de comida em uma padaria na esquina onde se abrigou. Os dias passaram e Agenor foi ficando... Ficando... Acabou trabalhando como empregado na padaria.
            Todos gostavam dele; era comunicativo e prestativo e ganhou o respeito de todos. Pensava sempre em Alice e, quando isto acontecia, ele soltava a imaginação: Via Alice lhe encontrando e levando-o para morar em sua casa, mas logo se recuperava e voltava à razão: Precisava estudar e trabalhar muito para ser merecedor do amor dela. Da ideia à ação, Agenor foi rápido. Matriculou-se perto do trabalho.
          O primeiro dia de aula mostrou que não estava enganado, o destino conspirava a seu favor: A professora da turma era Alice. Agenor ainda não se sentia preparado para aquele encontro e se escondeu o mais que pode para que Alice não o descobrisse no meio dos alunos. Mas, não deu resultado; na hora da chamada a sua presença foi denunciada.
            Alice ficou muito feliz, apresentou-o aos demais alunos e quis deixá-lo totalmente à vontade, mas não adiantou, Agenor se sentiu muito mal. Parecia que a sua professora tinha descoberto o real motivo para o abandono de suas terras.
             Ela estava linda e, com certeza, se preocupava com ele: quis saber onde estava morando, se estava trabalhando e se precisava de alguma coisa. Colocou-se à disposição e disse que se precisasse era só chamar.
            Os meses passaram e Agenor se sentia cada vez mais apaixonado. Acompanhava a professora até sua casa e só depois ia dormir no quartinho alugado pelo patrão.
            - Um dia, vou ter coragem! Vou dizer a ela tudo que sinto.
          A formatura chegou. Agenor se formou no Ensino Fundamental . Abraços, diplomas, olhares furtivos, olho no olho. Agenor se decidiu: naquela noite falaria de seu amor. Alice estava sozinha e Agenor se prontificou a levá-la até sua casa. Era oportunidade de conhecer seus pais e falar de amor. Chegaram à casa de Alice e, de longe, percebeu que um rapaz a esperava com uma criança no colo. Poderia ser seu irmão, mas assim que chegou perto, Alice se antecipou e apresentou-o ao rapaz:
            -Este é o meu marido Otávio e meu filho Otavinho.
            Depois, dirigiu-se ao marido:
           -Bem, este é o aluno que lhe falei. Hoje foi sua formatura e, com certeza, ele tem um grande caminho pela frente porque é muito esforçado. Ele é de Portal das Flores, onde lecionei, e veio trabalhar na cidade.
         Caíram por terra todos os seus sonhos! O chão lhe fugiu dos pés e por pouco não desfaleceu. Parecia que tinha levado um soco no estômago. Saiu às pressas, após um aperto apressado nas mãos que lhe foram estendidas.
            Homem não chora, mas Agenor chorou. Sentia raiva de sua ingenuidade de moço do campo. Ele confundiu tudo: Alice jamais seria dele. Os sorrisos, a atenção era apenas uma prova de amizade. Como fora criança!
            No dia seguinte, já havia feito as malas para voltar a sua terra, a sua gente.
            - Lugar de caipira é em casa!- choramingava.
         Os pais não entenderam aquele retorno repentino, mas Agenor disse que fora a saudade que o trouxera de volta.
            Voltou a estudar, mas agora com certeza de suas ambições. Estava resolvido a melhorar de vida e de alguma maneira tornar a vida da família menos difícil, inclusive as condições de vida de toda a cidade. Ainda não sabia como, mas faria a diferença! Sabia que o caminho era pela educação. Um dia estaria formado e pronto para dar o melhor pela sua cidade. Aqui era o seu lugar, o lugar onde residia a sua felicidade. As demonstrações de carinho que recebera na sua volta lhe deram a certeza do quanto era querido.
             O retorno às aulas também foi especial, Agenor passou a reparar tudo que acontecia a sua volta e já notava os olhares que as moças lhe davam e, em especial, o olhar de Rosinha. Soube que ela chorara muito com sua partida. E, ela era linda; muito mais linda que certa professora!
            Agenor estava em casa! Povo mineiro é assim, sempre espera seus filhos de braços abertos. 
                          

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sonhos


SONHOS

Por alguns instantes, sonhei.
Libertei meus pensamentos,
Soltei a imaginação.
Tudo ficou mais fácil... Possível.
Encontrei-me em um mundo paralelo
Onde tudo podia... Tudo atingível.
Sem amarras... Sem preconceito.
Vivendo a vida que escolhi e que desejei.

A realidade me trouxe de volta sem compaixão.
E na minha estrada caminhei a passos largos
Ao encontro de meus ideais,
Na realização de meus mais caros sonhos.
Uns realizei, outros não foi possível,
Mas com a mesma garra, contornei meu caminho.
Não me senti mais sozinho,
Segurei as rédeas do meu jovem coração.

E me tornei o que hoje sou; este é o meu legado,
Não culpo a vida pelos meus fracassos,
Mas celebro cada vitória,
Cada conquista é um troféu, um novo começo.
E sinto orgulho de minha história:
Dos amigos que fiz e do amor que compartilhei,
Dos filhos que gerei e da vontade imensa de ser feliz.
Este é o meu caminho, esta é a minha diretriz.
E a taça principal é a felicidade!

 

 


Maldição na praia


Maldição na praia

Trabalhar em uma grande empresa não era nada fácil, ainda mais quando toda a responsabilidade caia sobre “suas costas”. Aquela semana, particularmente, fora muito estafante. Um grande negócio estava para ser fechado, o que custou ao Miguel várias horas extras. Não houve um dia que não saísse do escritório às vinte e duas horas. Aqueles malditos relatórios! Mas, era bem remunerado, gostava do que fazia e sentia que o chefe o admirava.
O som da voz do chefe pedindo eficiência e rapidez ainda soava nos seus ouvidos. Mas, chefe é chefe e Miguel suportou tudo heroicamente. Comeu e respirou escritório. Naquela semana, nada de noitadas, nada de noiva, nada de amigos. O dragão estava à solta. Era assim que o chefe Alfredo era chamado pelos funcionários: “O Dragão”, aquele que “cospe pelas ventas”. Surpreendentemente, na quinta feira à noite, o chefe lhe chamou para uma agradável notícia:
-Amanhã, parto para New York para assinatura do contrato. Você tem trabalhado demais, pegue um dia de folga. A sexta feira é sua. Mas, sempre havia um “mas”, deixe o telefone ligado para alguma emergência.
E ali estava Miguel, recostado em sua cadeira, sentindo a brisa do mar em seu rosto. A praia estava tranqüila e seus olhos estavam pesados. De repente, alguém o tirou daquele torpor:
- Posso ler a sua mão?
Acordou assustado com a mão da cigana agarrando a sua com insistência:
-Deixe-me em paz. - gritou o rapaz, retraindo a mão asperamente.
Como estava meio dormindo fora grosseiro, mal educado. Puxou a mão com tanta força que desequilibrara a mulher. Trôpega, ela caiu na areia. Miguel viu no rosto da cigana a raiva estampada. Só essa visão já o deixou receoso, mas as palavras ameaçadoras, ditas por ela, o amedrontaram ainda mais:
- Esta é a minha maldição: Sua vida terá em um mês o fim, nunca mais zombará de mim.
A cigana saiu gargalhando, certa da influência que causara. Miguel a acompanhou com os olhos até que sua imagem desaparecesse entre os guarda-sóis. Levantou-se atordoado. Teria sido um transe? Uma alucinação? Um pesadelo? Ele não se considerava supersticioso, mas a cigana mexeu com a sua paz de espírito. O melhor era dar a manhã por encerrada. Telefonaria a Rose e combinaria um almoço a dois.
Rose o esperava elegantemente trajada no restaurante combinado. Executiva, bonita e jovem, chamava a atenção dos frequentadores do local. Sorriu ao notar a chegada do noivo e este sorriso demonstrava o bom momento pelo qual a relação de ambos passava. Estavam noivos havia três anos; tudo planejado com carinho para o grande dia do casamento. Rose o interpelou:
- O que aconteceu? Estranhei seu telefonema, você disse que ia passar a tarde toda na praia...
- Resolvi almoçar com você. Fiz mal? – brincou meio sem jeito.
- É claro que não. Adorei. Estou lhe achando preocupado. Acertei?
Não tinha como esconder da noiva, os anos de convivências os tornaram parceiros e transparentes em suas emoções.
-Depois eu lhe conto. Agora vamos comer.
Conversaram sobre banalidades durante todo o almoço, ou melhor, Rose conversou, pois a jovem falava “pelos cotovelos” e Miguel apenas ouvia. Era bom ouvir aquela voz cheia de admiração e carinho. Ele era jovem, bonito e talentoso; uma vida inteira pela frente.
Uma vida inteira pela frente? Será que existiria o futuro depois deste maldito dia? Miguel estava aflito e quase não comeu. Rose nem percebeu, entusiasmada em contar os avanços da reforma do apartamento de ambos.
- Você não gostou da cor da tinta? - ela perguntou meio decepcionada, pois não obtinha resposta do noivo.
Miguel acordou de seus pensamentos:
- Desculpe meu bem, estava longe...
- O que está havendo?
- Nada que deva preocupar minha noivinha querida.
- Então está bem. Fica resolvido o problema da cor.
As horas passaram depressa e Rose ainda tinha que voltar ao serviço. Miguel teria a tarde livre.
-Descanse bastante, amor. À noite nos encontraremos. - beijou-o demoradamente.
O beijo prometia uma noite de sonhos, mas ele não estava pensando nisso. Seus pensamentos estavam na cigana e na sua língua maligna.
De volta ao seu apartamento, Miguel tentou ler um livro, fazer palavras cruzadas e nada disso funcionou. Resolveu relaxar e dormir um pouco. Dormiu e sonhou:
“A cigana vinha em sua direção, com uma roupa vermelha vibrante e dançando música flamenga. O lenço vermelho que cobria o rosto deixava os olhos à mostra completando o figurino. Ao chegar perto dele, retirou o véu do rosto e dentes dourados em um sorriso metálico de dar medo estamparam sua face. O som estridente de uma gargalhada cobria o ambiente”. Ela lhe dizia:
- “Em um mês sua vida terá um fim; nunca mais zombará de mim”.
Acordou sobressaltado. Suava frio. Aquilo era muito real, não havia mais dúvidas. Ele estava condenado a morrer em um mês. Este era um sonho profético. Todos os seus sonhos, todos seus objetivos na carreira e na vida pessoal deitaram-se por terra.
Ele precisava de um tempo. Era preciso deixar Rose para que ela não sofresse com sua morte. Ela não precisava saber da maldição. Um mês e se nada acontecesse, tudo retornaria de onde parara. Pensou... Pensou e achou uma explicação para o término do namoro: estava indeciso, com medo de se casar. Afinal, muitos solteirões têm medo de se casar. Não era o primeiro. E o trabalho? Como fazer para convencer o “dragão” da necessidade de se ausentar por um mês. O melhor era inventar uma doença contagiosa. Miguel tinha férias a tirar. Pois bem, usaria suas férias para tratamento.
Após o trabalho, Rose veio ao seu encontro em seu apartamento:
- Você não atendeu meus telefonemas. Resolvi vir pessoalmente. O que está acontecendo? Está pálido. Já, no almoço, percebi algo errado.
- Estive, a tarde toda, pensando em nós dois. Acho que estamos indo muito depressa com o nosso casamento. Resolvi lhe pedir um tempo para colocar as idéias em ordem. - Miguel falou apressadamente, para não se arrepender e deixar para depois.
- Está louco? Tempo? Pra quê?
-Para eu pensar melhor no que estou deixando com a vida de solteiro. Pensar melhor na mudança que acontecerá em nossas vidas. Acho que não estou preparado. Vamos ficar um mês longe um do outro, para pensarmos melhor.
- Não preciso pensar melhor depois de três anos de noivado e dois de namoro. São cinco anos... E nossos sonhos? Nosso apartamento?
- É só um mês. Me dê esse tempo...
- Terá todo o tempo do mundo. Só não garanto que ficarei a sua espera.  - finalizou entre lágrimas.
Rose saiu batendo a porta e chorando desesperadamente. Miguel continuou sentado no sofá, arrasado, mas não foi atrás dela. Era melhor que Rose sofresse agora do que sofrer por sua morte.  
Agora era com o chefe Alfredo. Era melhor telefonar para sua casa. Por telefone ficava mais fácil mentir:
- Chefe, é Miguel. Preciso falar por telefone, porque estou com febre. Os médicos acreditam que é um vírus contagioso, de fácil contágio. Preciso tirar um mês para tratamento. - falou depressa, mas com voz insegura, frágil.
- Miguel, você estava tão bem na quinta feira. Agora quer um mês para tratamento. Você foi ao médico? E o atestado? – respondeu meio desconfiado.
-Não quero tirar licença médica. Tenho um mês de férias e gostaria de usá-la. Como disse o médico, é perigoso o contágio. Terei que ficar em uma clínica, isolado.
- Vou ver o que posso fazer. Darei suas férias. E, a propósito, o contrato com a agência em Nova York, foi fechado. Deixarei o Nivaldo em seu lugar. Sei que ele está interado dos problemas daqui.
- Com certeza e parabéns pelo contrato. Obrigado por me atender.
- Estimo melhoras.
O chefe não parecia muito convencido da doença, mas não havia mais nada a ser feito. Não ia perder o último mês de sua vida, trabalhando.  Seguiu pela praia e parou em frente uma barraca de tatuagem. Sempre quis se tatuar, desde a adolescência. Com o tempo, trabalhando em empresas de renome, não ficava bem um funcionário tatuado. Mas, agora era diferente, estava com os dias contados e a tatuagem não ia prejudicar em nada sua vida futura, pelo menos é o que supunha.
Entrou na tenda e um jovem veio atendê-lo:
- O que deseja? Um desenho em especial?
Decidiu e escolheu um dragão nas costas. Ironia? Lembranças do chefe? Pode ser; afinal ele foi responsável por tantas horas de sono perdidas, tanto estresse, era hora de vê-lo “pelas costas”. Saiu da tenda ainda sentindo as dores das agulhas e com um dragão nas costas.
Miguel, com o tempo todo livre, se viu desorientado, não queria entrar em depressão. Precisava pensar em alguma coisa que não fosse o seu futuro e decidiu, então, viajar. Bem longe, talvez para um lugar bem frio, nas montanhas.
O chalé era encantador, o vinho maravilhoso e a cidade mais ainda, mas nada disso o deixava satisfeito sem a noiva; nada disso tinha sentido. Fazia frio e ele sentia o coração gelado em seu peito. Ela era o amor de sua vida e ele sentia sua falta. Arrependeu-se por não a ter levado.
Os dias foram passando e a ansiedade aumentando. Dias intermináveis e noites desesperadoras. Nada acontecia. Os vinte dias terminaram depressa. Miguel precisava retornar a sua cidade. Será que não ia morrer? Ciganas não são dignas de credibilidade? Até o final de semana, findava-se o prazo para que o pior acontecesse. Depois, estaria livre. Livre para voltar a sonhar, voltar para Rose e para o seu emprego ou...
À volta, para casa, foi exaustiva. Miguel queria chegar logo, deitar-se em sua cama e não pensar em mais nada até sábado, o dia fatídico. O sábado chegou e ele resolveu não levantar da cama, nem atender telefonemas. Assim permaneceu até a manhã de domingo. No domingo, acordou sobressaltado com uma luz imensa entrando pela janela. Teria morrido? Que luz era aquela? Abriu as janelas e viu que era o sol. Ele ainda estava vivo.
Por um momento, sentiu-se traido... Deixara Rose, perdera dinheiro, faltara ao emprego e nada? Mas, ele estava vivo e isso é que importava. Superstição era besteira, coisa de quem não tem o que fazer. Miguel agradeceu a todas as forças do universo. Sentia-se envergonhado em ter acreditado em tudo aquilo. Precisava ter de volta tudo o que ficou parado neste um mês. Precisava de Rose e de todos os seus sonhos. Será que ela entenderia suas atitudes? Verificou em seu telefone que ela lhe ligara inúmeras vezes e deixara mensagens. Ele não atendera telefones, não estava com seu celular. Seu chefe, também lhe telefonara e ele nem retornara as chamadas.
Miguel ligou para Rose e não a encontrou. Deixou, então, um recado romântico:
-Querida, eu estou de volta. Todas as minhas dúvidas se acabaram. É você que eu amo e com quem eu quero partilhar minha vida. Perdoe-me. Beijos.
Era melhor ligar para o tão adorado chefe, o Alfredão:
- Chefe! Estou de volta. Começo na segunda. Obrigado por ter ligado.
- “Quem é vivo sempre aparece”. Podemos conversar ainda hoje. Estou dando um churrasco, com direito a sauna e a piscina. O Nivaldo já está aqui. Ele me foi extremamente útil em sua ausência.
Miguel sentiu o perigo. Era importante a sua presença para a garantia de seu emprego. Era a ocasião propícia para conversar com o chefe e “abrir seu coração”. Seria motivo de risadas por alguns dias, mas depois tudo seria esquecido. Mas, ele não poderia ir a esse churrasco, pois como ia esconder o dragão em suas costas. Aquele dragão que “cuspia fogo pelas ventas”. O chefe não ia entender: seu mais conceituado funcionário com uma imensa tatuagem nas costas.
-Chefe, eu cheguei agora mesmo. Não vai dar. Amanhã, vou até o escritório.
- Você é que sabe. Ah! Antes que eu esqueça, Rose veio nos procurar, saber o que estava acontecendo. Parecia surpresa com a sua doença. Disse que não estava sabendo de nada. O Nivaldo, aquele colega que ficou no seu lugar, falou com ela. Tornaram-se grandes amigos, inclusive, ela está aqui com ele. Foi ele quem a consolou em sua ausência.
- A Rose e o Nivaldo?
- É. O Nivaldo.
Miguel sentiu ciúmes, aquele aproveitador do Nivaldo estava lhe tirando, ao mesmo tempo, Rose e seu emprego. 
- Amanhã cedo, converso com o senhor no escritório. Depois eu falo com a Rose.
- É. Cuidado, a fila anda... Depois a gente conversa. Passe bem.
Ele tinha a vida toda pela frente, mas o que fazer com ela? Aquele Miguel de outrora tinha morrido, ele não tinha coragem de enfrentar o seu passado. Se não fosse tão covarde, acabaria literalmente com sua vida. Sentia-se fracassado e infeliz... M O R T O.

-Moço, moço, acorde, você está todo queimado. Vai ter uma insolação! - um rapaz o sacudia insistentemente.
 Abriu os olhos tentando desvendar o seu redor. Aquela voz o transportara de um outro mundo. Seus lábios estavam secos e a pele vermelha, sentia-se doente, com náuseas. O corpo todo doia.
- Você precisa procurar um médico.
- Obrigado. Eu vou pra casa.
Levantou-se da cadeira de praia onde estivera deitado. Teria sido um pesadelo? Nada aconteceu? O seu mundo não se acabara.
Enquanto procurava as chaves do carro, olhou pelo espelho e não viu nenhum dragão em suas costas. Seus olhos se voltaram em direção à praia, pois acabara de ouvir uma gargalhada horrível. Era a cigana, que da areia contemplava a cena.   

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Revezes da vida


Revezes da vida

Seu nome era Marina. Mulata, bonita, mas, como ela sempre dizia, tinha um defeito que a acompanhara como um estigma: ela era pobre. Os ombros encolhidos denunciavam o complexo de inferioridade que a acompanhou durante os primeiros anos de vida. Tinham ficado no passado os dias de meninices dos primeiros anos, mas o olhar baixo, embora agressivo, denunciava o sofrimento pelo qual passara.  
Ao recordar sua infância chegava à conclusão que não tinha sido feliz. Não que a família tivesse passado por muitas dificuldades ou que fosse vítima de maus tratos. Possuía uma família feliz. Era filha única e seus pais sempre trabalharam muito para lhe dar o suficiente para uma vida confortável e digna e por ela fizeram os maiores sacrifícios, mas o seu próprio preconceito sempre a perseguira. Preconceito por ser pobre, por andar mal vestida e não pertencer à mesma classe social de seus colegas. Não estava inserida no mundo que a rodeava. Nunca se aceitou e, muitas vezes, sentiu inveja da mãe e, ao mesmo tempo, raiva. Inveja, por ela ter sido rica e raiva por ter abandonado tudo para se casar com um homem pobre.
- Se eu fosse rica. - dizia Marina aos pais. Todos seriam meus amigos de verdade.
- Há coisas mais importantes que dinheiro. – rebatia a mãe.
Não, não havia. Quando criança, com a ingenuidade própria da idade, ela acreditava que tudo era possível. Mas, aos poucos, os próprios pais foram percebendo que havia um preconceito velado em relação à filha na escola onde estudava. Primeiro, o preconceito da própria professora da primeira série que a deixava de lado nas principais atividades e comemorações da classe. Ela nunca era chamada para cantar, dançar ou representar a classe. Parecia possuir uma doença contagiosa que a impedia de participar do grupo. Alguns pais preferiam que seus filhos não se relacionassem com a filha dos funcionários; sentiam-se constrangidos com a presença de Marina junto a seus filhos.  Eles não aceitavam Marina, não perdoavam aquela intromissão.  Era como se estudasse “de favor” e que a condição social fosse um abismo entre ela e seus colegas de classe. E, assim, Marina adquiriu uma repulsa quanto a sua condição social. Graças ao discernimento da direção, professores e alguns pais, tudo foi contornado. Afinal, os pais de Marina trabalhavam na escola e eram muito queridos por todos que os conheciam. Dona Irene trabalhava como zeladora e Seu Raul era inspetor de alunos. Por isso, Marina ganhara bolsa de estudos.
Aos poucos, Marina foi conquistando o respeito e garantindo as melhores notas, mas no silêncio do quarto o seu travesseiro era companheiro inseparável de suas lágrimas e solidão. Por inúmeras vezes perguntava a mãe porque ela estudava em escola particular, se eram pobres. A resposta não a convencia.
- Eu trabalho aqui. Você tem o melhor estudo do mundo, filha. O seu futuro será bem diferente do meu.
Irene percebia a tristeza da filha e também sofria. Era o preço que pagava ter enfrentado a família e casado com um rapaz de poucos recursos. Raul pouco falava, parecia carregar nos ombros a culpa pelo sofrimento da filha. Afinal, ele sempre fora pobre. Raul e Irene conseguiram uma vaga na zeladoria do colégio desde a primeira série de Marina e, assim, a filha pôde estudar de graça no colégio particular. Tudo que ganhavam era para os estudos da filha. A maior parte, estava sendo guardada para a Universidade. Irene sempre dizia que Marina concluiria seus estudos, coisa que ela não fez.  
A menina desde cedo teve que se virar sozinha. Para sobreviver no espaço escolar, criou uma couraça que a blindava dos possíveis relacionamentos. Assim que as aulas terminavam corria para a rua para se encontrar com seus amigos de verdade: os meninos do bairro e ali passava horas a empinar pipas e jogar bolinha de gude. Cresceu moleca e detestando tudo que lembrasse laços de fita.  
A adolescência chegara e Marina não via grandes possibilidades de ascensão social. Terminou o Ensino Fundamental e nem da formatura ela participou.
“Não vou deixar ninguém zombar de mim”. – pensou na defensiva.
No Ensino Médio, ela percebeu que algo mudara. Milagrosamente, todos a receberam bem. Marina não tinha percebido que o “patinho feio” estava se transformando em um “lindo cisne”. Os lábios carnudos que sempre a fizeram sofrer, agora era motivo de admiração por parte dos colegas de classe. Alta, esguia e “mulatamente” brejeira, arrancava suspiro e crescia o número de seus admiradores. Mesmo assim, Marina tremia e as inseguranças do tempo de infância não a deixavam em paz. O convívio com os colegas venceu as últimas barreiras e, em pouco tempo, já se sentia parte da turma.
E foi assim, que Marina se apaixonou por Pedro, o queridinho da classe. Pedro o rapaz carismático, dono de voz aveludada, que tocava violão e era o preferido entre as meninas do colégio. Naquele dia, depois de um jogo de basquete masculino, os olhos de ambos se encontraram no caminho para o vestiário antes do jogo. Marina sentiu as pernas bambas, o coração acelerado parecendo sair de seu peito. Pedro a olhou, sorriu e foi isso que a encantou: o sorriso. Para ele, nada de novo, apenas, um olhar a mais. Para ela a certeza que o mundo rosa se deslumbrava em seu destino.
Pedro parecia não perceber as investidas sutis de Marina e, no final do ano, ele já estava namorando a garota mais bonita do colégio: Camila. Marina ficou arrasada. Resolveu esquecer Pedro e todas as expectativas em relação ao amor. Ninguém ia namorar uma pequena, irremediavelmente, pobre. Os rapazes que a procuravam eram olhados com desdém. As amigas a encorajavam:
-Marina, olha quem está olhando pra você! Dê uma chance pro Renato. 
- O Renato é pobre como eu. Tô dispensando! – respondeu Marina e assim foi dispensando um a um os que tentavam se aproximar.
O dia da formatura do Ensino Médio chegara e Marina estava linda. Ganhara o vestido de presente da madrinha. Era todo branco e realçava o seu colo moreno. Fizera escova nos cabelos e no lugar dos cachos negros, que encantavam seus pais, surgira um cabelo liso e brilhante que também lhe ficara muito bem. Todos olharam admirados quando o pai a conduziu pelo centro do salão. Pedro também a olhou demoradamente por detrás dos cabelos de Camila, sua namorada.
Marina elegantemente valsou pelo salão com o pai. Depois foi a vez de Renato a convidar para dançar e ela aceitou a contragosto.  Por diversas vezes, os olhares de Pedro e Marina se cruzaram na pista. Renato percebeu o interesse:
-Marina! Quem está dançando com você, sou eu. –irritado, Renato a deixou o salão. Marina nem se importou, pois para ela só Pedro existia.
Depois da formatura, não mais encontrou os rapazes, ela não freqüentava os mesmos ambientes de ambos. Mas, entre um livro e outro, a imagem de Pedro e Renato ocuparam seus pensamentos. Pedro, o rapaz mais lindo do mundo, e Renato, o rapaz que todos queriam que ela aceitasse. Marina percebia que até seus pais torciam por ele.
-E aquele rapaz, que estava na festa de formatura. Você não vai namorá-lo? Formam um lindo casal. – disse-lhe a mãe enquanto conversavam.
- Não. Renato é pobre. Vive “numa pindaíba só”.
-Marina, como pode dizer uma coisa dessas!
-Deixa pra lá. É melhor não discutir. Você não vai entender. Não pensou em mim quando casou com papai.
A mãe chorou às escondidas. Tinha falhado na educação da filha. Ela tinha horror a ser pobre.  Horror às suas origens.
 Assim o tempo acertou as arestas e diminuiu os ressentimentos. O primeiro dia de aula de Marina como universitária chegou. Ela escolheu Psicologia, talvez por sentir necessidade de autoconhecimento. E foi na Universidade que reencontrou Renato e Pedro. Os dois estudavam Engenharia. Sentiu a mesma emoção de antes: o frio na barriga por Pedro e a aversão por Renato. Ambos sorriram e vieram ao seu encontro. Foi Pedro quem falou primeiro:
-Que bom vê-la de novo. Precisamos marcar um encontro. Camila também estuda aqui. Ela gostará de lhe ver.
As palavras de Pedro foi “uma balde” de água fria. Renato nada disse, mas parecia satisfeito pelo encontro.                           
Os encontros se repetiram e a saída dos quatro se tornou constante. Era difícil para ela ver Camila aos beijos com Pedro. Com o tempo, o casal começou a se distanciar; só lhe restou Renato. Marina só não o dispensou porque ele a levava a barzinhos, passeios e baladas. Renato comprara um carro.
Mas, um dia, depois de um programa rotineiro, Renato lhe pediu em namoro:
-Marina, faz tempo que estamos saindo juntos. Quer namorar comigo?
Não havia como dizer não, ele se tornara imprescindível para suas aspirações. Não agora que necessitava de sua companhia. Ela precisava de um rapaz com carro para frequentar lugares elegantes.
Dona Irene ficou muito feliz, agora Marina tinha tomado juízo:
-Agora ela será feliz. Renato é um bom moço. –argumentou Irene.
-Não acredito nas boas intenções de nossa filha. - rebateu Raul.
 A vida tinha ensinado a Raul a não acreditar em contos de fadas. Marina era preconceituosa, nunca aceitara sua posição social e não estava com Renato por amor. Era só interesse.
- Tudo que me acontece é porque sou pobre. Pobreza chama pobreza. É um “carma”. A senhora tinha que se casar com um pobre. Adoro meu pai, mas ele é pobre. - chorava Marina em casa para a mãe.
- Você “cospe no prato” que comeu. – dizia Irene.
-Casar e morar aqui? Nunca... Jamais. – rebelava-se ela.
Nunca dissera a Renato a aversão quanto a sua pobreza e talvez, por isso, ele sempre a queria de volta:
-Marina... Fomos feitos um para o outro. Quer casar comigo?
-É muito cedo. Não quero me casar agora. - desconversava.
Renato resolveu se afastar. Amava Marina, mas não queria se humilhar. O namoro foi desfeito. Deprimida e sem perspectiva de vida melhor, Marina trancara sua matrícula na Universidade e largara o emprego na secretaria da escola, para decepção de seus pais. O sonho de ambos era ver a filha formada e agora...
Foi a vez de Raul dar uma lição na filha:
- Agora é assim... Se quiser permanecer ao nosso lado, a regra é essa: você vai trabalhar para sustentar a sua vida. Nem conseguiu se formar. Nós fomos responsáveis pelo que você se tornou. Sempre lhe tratamos como uma princesa, mas sempre é tempo para mudar. –concluiu Raul.
Não teve outro jeito, ela não tinha para onde ir. Passava os dias, fechada em seu quarto, sentindo-se a pior das criaturas. Pelo menos, houve tempo suficiente para por as idéias em ordem.
Os meses foram passando e a vida voltou ao normal. Marina arrumou um emprego como estagiária em uma clínica de psicologia e reabriu sua matrícula na Universidade. Os pais pouco conversavam com ela, principalmente Raul que não mais lhe dirigiu a palavra.
O que mais a incomodava era o fato de que sentia falta de Renato. Sentia falta de seu carinho e de sua atenção. Encontrou-o, certa vez, perto da Universidade, conversando com uma moça bonita e sentiu ciúmes. Pela primeira vez, se sentiu ameaçada, Renato parecia interessado na companhia da moça. A cena a perseguiu durante dias e resolveu procurá-lo:
-Renato! Estou sentindo muito a sua falta. Me perdoe.
- Não há o que perdoar. Você pra mim não faz diferença.
Marina sabia que merecia aquele tratamento. Precisava reconquistá-lo e como sabia onde ele estava trabalhando, sempre que possível, dava um jeito de encontrá-lo. O coração batia forte e ela percebeu que estava apaixonada pelo rapaz de origem pobre e que tanto desprezara. Um encontro ali, outro aqui e logo estavam reatando o namoro.
A vida estava lhe dando nova chance. Aos poucos, Marina reconquistara o carinho da mãe e até do pai. Mas a aversão à pobreza continuava.
- Só caso se morar em uma casa grande, bonita, mesmo que seja de aluguel.
-Tudo bem. Farei sua vontade. – disse Renato. Ele amava Marina e faria qualquer sacrifício.
O casamento aconteceu anos depois, já com a família totalmente reconciliada. Não foi o casamento dos sonhos de Marina, mas o possível. Ela acreditava que Renato um dia seria rico e ela teria o que sempre sonhou. Jamais voltaria para a casa dos pais, aquele cubículo que chamavam de casa. Quando engravidou de Mariana a felicidade ficou completa. A maternidade a transformou em uma pessoa melhor. Tratava os pais com mais carinho e estava feliz.
Mas, o destino, às vezes, prega suas peças. Meses antes do primeiro aniversário da filha, Raul chegou a casa, arrasado.
- Marina... Fui demitido. A empresa precisou dispensar funcionários por causa da crise. Vou tentar um trabalho no exterior, uma Multinacional está contratando. Vou ter que deixá-las aqui, por enquanto. Quando as coisas melhorarem, levo vocês. Só que teremos que “apertar o cinto” e deixar esta casa. Você precisar morar na casa de seus pais.
“Morar na casa dos pais”; este era seu pior sacrifício. Como voltar para lá? Sabia que os pais a receberiam bem, mas retornar? Não havia outro jeito. Precisava trabalhar e os pais eram as melhores pessoas para ajudá-la na educação da filha.
O dia da partida chegou. O pouco dinheiro que restava era para a viagem de Renato. Marina estava desolada. Vagou pela cidade tentando por os pensamentos em ordem e não havia outro jeito. Estava decepcionada, humilhada. A vida tinha lhe pregado uma peça.
Já era tarde quando Marina tocou a campainha da zeladoria onde os pais a esperavam. Era seu novo endereço.                                    

Coisas do dia a dia


COISAS DO DIA A DIA

            Eu, grilo pensante, descobri uma coisa realmente preocupante: os humanos estão perdendo a capacidade de rir de coisas simples, sem intenção de ofender ou injuriar alguém. Vejo e escuto piadas de mau gosto, quase sempre com o intuito de denegrir a imagem de alguém. O sorriso e a risada deixaram de ser expressões de alegria para se tornarem zombeteiros, sarcásticos. Essa tendência pode ser percebida em muitos programas humorísticos que perderam a leveza, a simplicidade do bom humor para se tornarem impróprios e muitas vezes, repetitivos e inconvenientes. Qualquer BBB vira artista de humor em programas de TV. Joãozinho, das piadas da escola, já se diplomou no “Pânico na TV” e nos inúmeros “stand up comedy” que aparecem em concursos humorísticos e não tem mais a leveza, nem a diplomacia de épocas passadas.
            É claro que como é uma opinião pessoal, de um simples grilo que muito pensa e pouco faz, mas gosta de dar sua opinião, e que não pretende de maneira nenhuma ser levado em consideração. Cada um ouve ou fala o que quer e isto é, antes de tudo, democrático.
            Há muito tempo deixei de assistir programas humorísticos. Não gosto, não é a “minha praia”, mas ouço tantas histórias engraçadas que gosto de escrevê-las. É o dia a dia nos tornando menos rancorosos ou tristes. E dizem que quem ri muito, não envelhece. Está aí um argumento deveras interessante.
            Numa de minhas andanças, estava tranquilamente sentado no banco de um carro, quando ouvi duas pessoas conversando: a do lado do motorista, a nora e a do banco de trás, a sogra:
            - Hoje, choveu a noite toda. – a sogra iniciou o diálogo.
            -Não escutei nada. – respondeu a nora.
            - Hoje, choveu a noite toda. - repetiu a sogra, mais alto.
            - Não escutei nada. – novamente a nora.
            A sogra, ainda mais alto, insistiu:
            - Eu estou dizendo que hoje choveu a noite toda.
            - E eu estou repetindo que não escutei chuva alguma.
            Só então ambas perceberam “aquela diálogo louco”. Da minha parte, fiquei rindo sozinho, assim como o filho e esposo que estava dirigindo o carro.
            Outra história realmente interessante e, ao mesmo tempo “sem noção”, eu escutei de uma mãe que relatava histórias sobre a infância dos filhos. A mãe inexperiente, muito jovem, mas querendo acertar, levou o filho em um ortopedista. Isto se passou em meados de 1980, época em que todos os médicos ortopedistas receitavam botas ortopédicas. Parecia que a novidade havia tomado conta dos consultórios médicos e todas as crianças nascidas nesta época, sabem do que estou falando. Ela, a bota, era o terror das “canelas” de todas as pessoas que se aproximavam.
            Eu, grilo falante, estava interessado na conversa (ainda bem que ousou colocar bota ortopédica em grilo). E o “papo” continuou:
            A mãe de Rafael contava a amiga:
            - Você não sabe o que sofri com meu filho quando ele começou usar a bota ortopédica. O médico receitou a bota e eu, imediatamente, providenciei. Não queria que meu filho crescesse com a perna torta por minha causa. Coloquei a bota em seu pé e fomos passear na Bienal de São Paulo.
            Explicou que desde que saiu de casa, Rafael reclamava o tempo todo:
            -Mamãe, ta doendo muito!
            - Não filho, você que não está acostumado. O médico mandou não tirar, senão seu pé fica torto.
            - Mãe, eu não aguento!
            - Pára de reclamar, Rafa. Você é muito chorão!
            E assim foi. O menino sentava no chão, chorava, esperneava e a mãe fazia de tudo para não chamar a atenção.
            -Fica quieto, tá todo mundo olhando!
            -Quero ir pra casa, não quero mais bienal.  
            -Tá bom. Vamos pra casa. Você é muito mal educado! Lá em casa a gente conversa. - disse em tom ameaçador.
            Não teve jeito, o remédio foi voltar para casa antes do previsto. Ao chegar a casa, ele não queria mais andar e ela resolveu tirá-la:
            – Rafa, vou tirar sua bota, mas só “um pouquinho”; depois vai colocá-la novamente.
            Rafael respirou, aliviado. A mãe retirou a bota e para sua surpresa de dentro dela saiu uma pilha, daquelas pequenas, “tipo palito”, mas que no pé de uma criança pode causar grande estranho.
             A mãe de Rafael concluiu a história, entre risos e pena da amiga.
            - Coitado do Rafinha! Não merecia. Andou o tempo todo com uma pilha dentro da bota.
            Pois é, meus amigos, eu, o grilo pensante, também achei muita graça. Como vocês vêem, embora trágico, o fato não deixa de ser cômico. São estas histórias que tornam a vida mais interessante.  Quando tiver alguma história interessante, pode me procurar. Fui...

Serenidade=Paz


SERENIDADE = PAZ

Serenidade é a paz de espírito,
Ausência de emoções conflitantes, fortes,
De quem já venceu suas batalhas,
Mas sabe que a qualquer momento
Poderão aflorar e perturbar esta calma.

Serenidade é paz interna,
É o sorriso da criança quando sente o olhar materno,
É a alegria do adolescente ao descobrir o primeiro amor.
É a confiança do adulto na luta por seus objetivos,
É a mãe quando acaricia seu ventre pronto a dar a luz.
Serenidade... É a beleza que seduz.

Serenidade é paz poética.
Sentir os raios de sol que iluminam o novo dia
E a quietude da tarde quando ele se deita no horizonte.
Presenciar as ondas do mar indo e vindo
Num balançar da natureza embalando os sonhos marinhos.
Observar que mesmo na manhã chuvosa
É possível ver a beleza da natureza
Sorvendo a vida gota a gota.

Serenidade é paz na alma.
É sentir a voz interna que fala dentro do silêncio,
Ouvir a música suave nas batidas do próprio coração.
Tatear o corpo e descobrir que quase tudo foi feito aos pares
Porque só em um que o outro se completa,
No gosto do beijo, no paladar do amor,
Nas palavras poéticas, na qual poeta se achou
Quando se enamorou.

Serenidade é a paz com Deus,
Não é palpável, mensurável,
Mas vive dentro de um coração que bate lento
Por horas intermináveis, sem propósito,
Em compasso com as batidas do relógio.
São os olhos do ancião que espera a passagem
Com a segurança de quem já cumpriu o seu papel
E aguarda à hora de partir.

Ela pode ser reconhecida nesse olhar
Perdido em algum lugar, ao acaso...
Ausente em emoções, em sentimentos.
É o olhar daquele que não precisa mais de respostas,
Porque confia que tudo, nasce e morre pelo Criador.
Por isso une as mãos em oração e agradece
Pois tudo o que viveu foi um ato de Amor
Do próprio Deus.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Atração fatal


Turbulências

O dia, até então, estava maravilhoso. A tarde inteira no motel e a noite um filminho para relaxar: Atração Fatal. A história de uma amante que em um ato de loucura, ao se sentir rejeitada, inferniza a vida do amante e de sua esposa até destruí-la completamente.
O filme tinha mexido com o casal, talvez pelas coincidências entre a realidade dos dois e a ficção do cinema. No filme, o personagem principal era casado, feliz no casamento e se envolvia com outra mulher, mas as semelhanças paravam aí. Na vida real, Mara e Cadu eram amantes já há algum tempo e nunca houve ciúmes entre eles, diferentemente da ficção. Mara sempre soubera que seria assim. O pacto era este: Cadu já era casado quando a conheceu, tinha uma esposa e com quem sonhava em ter filhos. A família era sagrada, mas o prazer e a alegria eram da amante. Ela aceitara essa situação com certo ar de superioridade, pois os momentos melhores ficaram para ela; a traída, a enganada, era a esposa. Por que a sensação de ser a única que estava perdendo?
- Se isso acontecesse comigo, não deixaria “pedra sobre pedra”. Ela estava esperando um filho dele. Ele deveria ter mais consideração. – falou com veemência se referindo ao filme.  
Cadu sentiu um mal-estar, um friozinho “dos pés a cabeça”. Por que esse comentário infeliz neste momento? Uma ameaça?
- Não fique nervosa, é apenas um filme. Não vamos brigar por causa disso.
-Não estou nervosa, Cadu. Você é que ficou impressionado e está nervoso. Por acaso a “carapuça” lhe serviu?
“Droga de Filme”. - pensou Cadu com seus botões. Ali estava ele sendo pressionado pela amante, no dia em que completavam três anos de muito amor e compreensão. Deu-se um silêncio fora de hora no apartamento, ambos pensavam no filme sob óticas diferentes: Cadu nas consequências que a aventura fora do casamento causou ao personagem do filme e Mara na amante do filme e na tragicidade do desfecho.
- É uma pena que o filme acabou com o seu bom humor. – disparou Cadu.
- Ninguém está nervosa aqui. Vamos conversar mais um pouco.
- Estou com muito trabalho pra fazer. É melhor deixar pra outra hora.
- Hoje é sábado. Você não trabalha.
-Trouxe serviço pra fazer em casa. Até mais, amor. Amanhã, eu lhe telefono. Durma bem.
Mara ficou apreensiva. Nestes três anos de convivência, o sábado sempre fora dela; a mulher “oficial” achava que o marido trabalhava no sábado. Ele estava mentindo, estava fugindo da conversa e alguma coisa estava errada. Ela foi para cama, mas demorou a dormir. Quando dormiu, sonhou com o amante a traindo com outra e mesmo com a própria esposa. Em seu sonho, a esposa de Cadu sabia que ela existia e ria com o marido pelo tempo que Mara perdeu sendo a amante, pelos filhos que ela deixou de ter, pelas oportunidades que deixou para trás. Os dois, a esposa e Cadu, se amavam e falavam dela com desprezo. Acordou assustada. A imagem de ser a preterida, de estar sendo traída não lhe dera trégua. Sentiu ódio dos dois: da esposa e do amante.
- Como fui ingênua em não perceber o que estava se passando. Isso não vai ficar assim. Filhos da mãe! – bradou alto.
---
Cadu, na noite anterior, voltara cedo para casa. Lucy, a esposa, estranhou:
- Voltou cedo! O que você traz aí, querido? – falou apontando para o filme que ele trazia nas mãos.
- Ah. É um filme que trouxe pra vermos juntos. Mas, já me disseram que não é bom e que não vale a pena.
- Vamos assisti-lo mesmo assim, querido. Vou fazer um pouco de pipoca. Faz tempo que não vemos “um filminho” juntos.
Era a segunda vez, em um curto espaço de tempo, que via o filme e com mulheres diferentes. O filme rolava na tela e Cadu suava frio. Nunca um “the end” fora tão aguardado. O comentário de Lucy em nada ajudou a situação:
- Puxa, que filme! Não sei o que faria nessa situação. Só tenho a certeza que se fosse a esposa nunca perdoaria o marido. Matava os dois. Os dois iriam “arder no inferno”.
Na verdade, nunca vira Lucy tão agressiva. Ela sempre fora recatada, com boas maneiras. Nunca havia se exaltado.
- Você está perturbada.
- É claro que não. Estou só brincando. Vamos dormir. Amanhã, vamos à casa de meus pais.  Você está suando frio. O filme lhe impressionou muito!
Cadu também não teve uma noite tranquila. Sonhou com a amante com uma faca vindo em sua direção e também com a esposa lhe colocando pra fora de sua casa com “duas pedras na mão”. Respirou aliviado ao acordar. 
A visita aos sogros não melhorara seu estado de espírito, que bom que o dia estava acabando. Enquanto a esposa dormia ao seu lado no carro, Cadu pensava na vida. Arrumara uma amante por acaso, não por amor. Afinal, ela era linda, sensual e sem complicações, mas, amor era o que sentia pela esposa, aquela que dormia ao seu lado.
No dia seguinte, foi para o serviço disposto a por um ponto final naquela história. Mas, sentada no sofá da sala de espera, Mara o esperava. Seu coração disparou:
“Igualzinho a cena do filme quando a amante vai procurá-lo no trabalho”. - pensou meio desorientado.
- O que você está fazendo aqui? –a voz de Cadu saiu meio agressiva.
- Você não ligou e por isso estou aqui. Precisamos conversar. Acho que o filme mexeu com nossa relação. O filme serviu para que eu refletisse que não passo de uma aventura. Não ofereço riscos a sua vida, não reclamo e lhe dou prazer. Mas eu existo, tenho meus sonhos e quero ser feliz plenamente; vim até aqui para deixar clara a minha posição. A forma como você se comportou ontem, me fez perceber que serei sempre a amante me contentando com as sobras e ninguém merece isso. Passe bem.  
- Por que essa agora? Nunca tivemos problemas. Mas, se preferir assim, tudo bem. Vamos parar por aqui, antes que alguém se machuque.
Falou meio sem pensar. Era melhor aproveitar a oportunidade e terminar logo, antes de um fim mais trágico. Mara continuou:  
- Ah! Ia me esquecendo. Deixei um presentinho para sua esposa. Ela merece por não me respeitar, ter feito “chacota” de mim. Vocês se merecem.
Saiu decepcionada, batendo a porta. Por um segundo, achou que Cadu fosse implorar para que não fosse embora, mas ele lhe pareceu aliviado.
Cadu não entendeu o porquê do comentário sobre a esposa, mas não era hora de pedir explicações, pois não queria deixar Mara nervosa. Livrara-se da amante possessiva e das ameaças de morte. Agora podia viver feliz com a esposa.
---
Em casa, Lucy ouviu a campainha tocar, foi atender a porta e encontrou um pacote no chão. Não havia tempo para abri-lo agora. Precisava pensar em uma vingança. Nunca pensara em trair o marido, mas...
A gota d’água foi o telefonema que ela havia recebido de manhã e que, a princípio, não entendeu nada, mas depois concluiu que estava sendo traída  Há muito tempo desconfiava do marido, sempre soubera que ele não trabalhava aos sábados e mentia a ela. Agora tinha certeza: o marido tinha uma amante desequilibrada. De manhã, esta lhe havia telefonado e, sem lhe deixar falar, foi berrando:
- O fato de ser a mulher legítima, não lhe dá o direito de rir da minha cara. Aceita a traição de seu marido e ainda “pisoteia”. Você é uma filha da mãe. Eu sou a amante de seu marido. Você é a esposa, mas não tem dignidade alguma.
Lucy não respondeu às agressões. Afinal era uma mulher de classe, não era chegada a “dar barracos”. Desligou o telefone, mas sentiu que havia verdade naquelas palavras. Sentiu ódio do marido por colocá-la naquela situação. Agora queria vingança. O amor pelo marido se fora nos sábados e na indiferença dele. Pois bem, ela também teria um amante.
---
Cadu foi para casa; estava preocupado. O que a amante teria lhe aprontado? Viu o pacote sobre a mesa, mas estava intacto. Abriu o pacote com receio, mas era uma fita gravada. Preparou-se para ouvi-la. A voz da amante tomou conta do ambiente.
-Vocês se merecem. Descobri que sou motivo de riso de ambos. O que posso dizer de uma esposa que sabe da traição do marido e, mesmo assim, aceita e compartilha dessa farsa? Saio de cena e pronta para viver uma nova história, enquanto vocês serão infelizes e dignos de pena.
Ele não entendeu nada do que Mara tinha dito na fita. Ela não conhecia Lucy. Tentou se comunicar com a esposa por telefone:
- Querida, estou cheio de novidades. Não vou mais trabalhar aos sábados. Hoje, vou tirar à tarde para ficar com você, quero curtir mais a minha esposinha.
-Desculpe meu amor, mas estou ocupada a tarde toda. Combinei um cinema com uma amiga. E quanto aos sábados, eu faço um curso sobre nutrição aos sábados.
-Tá bem. Depois a gente conversa pessoalmente.
Estava decepcionado. Agora que tinha os sábados livres, a mulher não podia estar com ele. Só lhe restava um cineminha fora de hora.
---
Lucy chegara ao cinema com Alex, o rapaz que sempre a convidava para sair e ela sempre recusava. Agora não, era sua vez. Estava feliz como uma colegial.
- Que filme vamos assistir?
- Atração fatal.
De novo aquele filme, o responsável por estar ali, mas era apenas um filme...
As luzes já estavam apagadas quando Cadu chegou ao cinema. Estava tão preocupado com a conversa que teve com Lucy que nem olhou o nome do filme em cartaz.  Na tela, aparece o título do filme: “Atração Fatal”.
-NÃO....De novo o mesmo filme...

(baseado no filme "Atração fatal") 

Onda de violência


Onda de violência

                     Sei que sou apenas um grilo, um grilo que só sabe pensar e escrever, mas, por diversas vezes, peguei-me matutando sobre o universo humano e suas complicações. Que mistérios envolvem o universo humano? Até quando a genialidade humana é direcionada para avanços tecnológicos e científicos que facilitarão a vida e convivência com seus semelhantes e quando começa a ser dominada por valores escusos, insensatos, perdendo sua própria humanidade, desrespeitando valores e visando apenas interesses próprios? Qual a força que nos impulsiona na luta incessante pelo progresso desenfreado, muitas vezes trazendo como conseqüência a violência gratuita, psíquica e social, em prejuízo a valores reais, sentimentos de fraternidade e cooperação?  Haverá, ao longo do tempo, esperança de sobrevivência do “humano” sobre o irracional? Desvendar o mistério que torna o homem, dependendo de sua história de vida, racional ou irracional, sempre foi o objeto de estudo e parece que está longe de um resultado definitivo, principalmente para um grilo intrometido como eu.                                                                                                           
                     Ao ler os jornais mais importantes do país e deste mundo globalizado me deparo com a onda de violência que atinge as principais cidades brasileiras e sinto que a vida perdeu seu valor. Ao mesmo tempo em que vejo o progresso como bem da humanidade, também o vejo como vilão que esmaga sentimentos, levando o homem a se revelar e mostrar-se dono de uma irracionalidade sem limites, trazendo como conseqüência danos irreparáveis.
                       Há pouco tempo as notícias dos jornais falavam sobre os ataques que mudaram a rotina de São Paulo: os policiais, contratados para nos dar segurança, estavam inseguros diante das matanças de seus companheiros de farda. Na minha modesta opinião, quando os poderes constituídos não conseguem o mínimo de respeito ao direito dos cidadãos “de ir e vir” e sentem-se desacreditados, a conseqüência é devastadora e a população se sente sem rumo, sem direção e o caos se torna intolerável. É o que recentemente ocupou as manchetes de jornais.  A população estava perplexa, inconformada, diante de ônibus incendiados e de pessoas inocentes mortas, supostamente por policiais.                          
                      Há urgência em uma resposta que coloque fim a toda rebeldia. Achar o “fio da meada” que gera o caos se faz necessário e as tentativas de soluções por parte do Governo Estadual e Federal têm que dar resultado. É preciso quebrar o ciclo de terror.
                       Às vezes, acontecimentos rotineiros como o futebol mudam o foco das notícias trazendo uma falsa ideia que a violência local foi subjugada. Isto foi o que aconteceu em São Paulo, quando o foco da notícia foi transferido para as conquistas internacionais dos corintianos e são-paulinos. O mesmo aconteceu quando a “bola da vez” foram os Estados Unidos com o massacre à escola onde inocentes perderam a vida. 
                      O fim do ano trouxe outra breve baixa na onda de violência e as mensagens de Paz, Amor e Compreensão amenizaram os corações, mas penso que é só “um parênteses” para que o caos, novamente, encontre seu lugar de destaques nas manchetes de jornais e televisão. Até quando? Até quando o humano se lembrar do sentido da palavra “irmãos”.
                      Espero que o Novo Ano, que está apenas no início, traga esperança em dias melhores. Quem sabe, um dia, possamos ler nos jornais e assistir pela televisão que a violência caiu em nível considerável em todo o mundo. Aí sim, vamos merecer o nome de “irmãos” e ver a Paz, tão sonhada, sendo destaque internacional.
                      Por hoje é só. Fui.

O espelho


O ESPELHO

Olho... Procuro-me e não me encontro.
Não me reconheço na imagem refletida.
Estou diante de meu maior inimigo.
Aqueles olhos sem brilho, aquela boca sem viço,
Não me pertencem, não fazem parte de mim.
Não tenho vontade de sorrir,
Sinto-me humilhada, infeliz.

Ele era mais que um amigo,
Era meu companheiro de quarto, o meu troféu.
Presente nas horas mais íntimas de meu prazer.
Carregava-o por todo lado, mirava-o em cada esquina.
Mas o namoro acabou; quero-o longe, distante cada vez mais.
Ele me traiu, distorceu minha imagem.
Destruiu-me, me abandonou.

...
Decidi... Não mais o verei.
Não necessito mais de sua companhia,
Se cada vez que o vejo há uma ruga a mais na minha face,
Porque me sinto impelida a buscá-lo?
Antes o procurava nas festas, nas comemorações,
Era o meu último ato antes da aprovação social.
Tudo acabou, feneceu o nosso enlace.
Em pedaços, ele jaz aos meus pés.
...
Faz tempo que não o procuro, não sinto falta.
Encontro-me sossegada, feliz,
Já não tenho mais a necessidade da sua presença.
Aprendi a me amar, a respeitar o meu tempo.
Mas, ele está ali me chamando, quase implorando,
Que eu o olhe pela última vez.

Desnuda, ofereço-me em sacrifício e o que vejo:
As rugas estão ali, mas não mais me incomodam,
Elas representam a minha história, minha identidade,
Mesmo assim, sinto saudades do que trago na memória,
E que hoje são vestígios ou fotos de cabeceira.

Na face, reconheço traços maternos;
Acentuaram-se com a idade,
E sinto-me orgulhosa pela vida que levei,
Pelo que plantei.
Os anos me deram a sabedoria dos deuses,
E ele, o espelho, já não causa transtorno ou desilusão,
Sou o que vejo,
Sou a minha imagem refletida,
Mas aprendi que além do reflexo de minha imagem
Posso me ver com os olhos do coração.