domingo, 30 de setembro de 2012

Pés descalços




Pés descalços...
Pés carcomidos, endurecidos,
Encardidos pelo preto do asfalto.
Pés descalços
Cor e cheiro de morte.
A vagar pelas vielas da vida,
Mais uma infância perdida,
Entregue a própria sorte.

Pés que pisoteiam a alma,
Machucam a consciência,
Dos que ainda têm decência,
E lutam para mudar a história.

Pés que clamam por justiça,
Luta desigual, aleatória, imoral,
Longe de decisões satisfatórias
Para extirpar o mal.

Pés calejados, endurecidos pela vida,
Nunca tiveram carinho, amor, afeição,
Mas procuram no trabalho duro,
Ganhar honestamente o seu pão.

São frutos da discriminação, do desamor,
Não tem esteio, nem identidade,
E vivem como perdedores,
A margem da sociedade.

Esses pés são marcas do tempo,
De quem não teve escolha, opção,
Nem lar para chamar de seu.
Vivem nos becos, nas pontes,
Nas favelas, nas vielas,
Onde sua infância perdeu.

Esses pés de brasileiros
Multiplicam-se a cada dia,
Como uma enorme romaria.
São os descamisados, analfabetos,
Drogados, mal amados,
Desconhecidos da apressada maioria
Que circula no dia a dia.

Onde estão seus sonhos?
Onde está a sua história?
Perdeu-se na vida agitada,
Da “Paulicéia desvairada”
Como Andrade assim chamou.

Até que um poeta “maluco beleza” apareça,
E com sua realeza os faça crer,
Que sempre é tempo de vencer.

Sem pressa


SEM PRESSA

Sem pressa... Devagar...
Sem urgência, mas intensamente.
Viva, cada dia, cada minuto,
Como se último fosse.
Para que tanta pressa...
Tanta correria.
Deixe a pressa no passado,
Na urgência adolescente de vencer.

Sorva do cálice da vida,
Como se ela fosse eterna...
Beba da fonte da juventude,
Do riso franco, da esperança da vitória,
Mas sem pressa... Devagar.
Saiba que cada dia é um a menos,
E é nosso dever vivê-lo intensamente,
Sem pressa... Sem correr.
A urgência é viver.

Sonhe, sofra e se arrependa do que passou,
Mas não mergulhe na dor,
O passado é fruto de suas opções.
A direção tomada foi sua...
Certa ou errada, ela é a sua história.
É sua filha, você a gerou.
Mas “curta” todo o momento,
Devagar... Sem pressa.

Vanglorie-se por tudo que viveu,
Realizações e fracassos que enfrentou.
Mas, deixe-os no passado... Já passou
Viva o presente. Sem pressa... Devagar...


Faça da disputa um desafio,
Um obstáculo a vencer,
Sem medo, sem frustrações, sem arrependimento,
Sinta a felicidade e o sabor das conquistas
No aprendizado das derrotas,
Mas mesmo cansado e derrotado,
Pense que amanhã o sol brilhará novamente.
Os dias serão melhores.
Viva-os intensamente,
Mas devagar...

O futuro, amanhã, será presente,
E, sucessivamente, o tempo se renovará.
Viva-o sem pressa... Devagar
Não é preciso ter pressa pra ser feliz.


Pingo




                                                        Pingo

A vida era boa. Ela era feliz. Era uma jovem senhora, casada, mãe de um casal de filhos e com uma vida economicamente bem confortável. Gerson era vendedor e, modéstia a parte, sabia vender muito bem. Tinha uma boa lábia e convencia ao apresentar o produto.
Gabi ficava em casa esperando o marido e cuidando dos filhos. Gostava de cozinhar e para ter seu próprio dinheiro, por isso, vivia às voltas com uma deliciosa tentação: o chocolate. Fazia maravilhas com chocolates e tinha uma grande freguesia. Ninguém resistia aos encantos de seus bombons maravilhosamente embalados com esmero! Com certeza era responsável pela felicidade de muitos chocólatras.
Mas, os filhos foram estudar fora e Gabi começou a se sentir irremediavelmente só. Ela que sempre falou pelos cotovelos, inesperadamente parou de falar. Ficava pelos cantos da casa esperando telefonemas dos filhos. Pouco a pouco, foi murchando, não sentia prazer nem mesmo em fazer e comer bombons. Chocolates, nem pensar!
Gerson percebeu sua tristeza e tudo fazia para reanimá-la. Um dia, em uma feira de animais, viu um peixinho vermelho e, imediatamente, pensou na esposa. Ela gostaria do presente.
O presente surtiu efeito. O rosto bonito de Gabi voltou a sorrir, ela adorou o presente; agora tinha com quem conversar. Está certo, ele não respondia, mas escutava passivamente.
Cuidar de Pingo, nome dado ao peixinho, a fazia imensamente feliz. Por ele, Gabriela se derretia. A depressão ficou longe de sua rotina e Pingo era sua companhia enquanto o marido trabalhava.  E foi assim que Pingo começou a fazer parte da família e isso, ajudava na saudade que sentia dos filhos.
Os dias foram passando, mas, um dia, Gerson foi incumbido de alimentar Pingo. Gabi fora ao médico e ia demorar. Inexperiente, Gerson colocou mais comida do que devia. Quando Gabi voltou do médico, deparou-se com a tragédia: Pingo estava de barriga para cima, inchado... Morto!
Gabi ficou inconsolável. Novamente, a depressão voltou a rondar sua porta. Ela não culpou ao marido, mas Gerson se sentiu culpado.  Ele pensou em todas as formas de reanimar a esposa, mas nada surtia efeito. Somente a visita nos filhos nos fins de semana conseguia alguma melhora.
Um dia, ao passar por um “pet shop”, Gerson se deparou com uns peixinhos sendo vendidos.
“Como não pensei nisso antes? Darei de presente a Gabi um peixinho igual a Pingo”- pensou animado.
Resolução tomada. Lá estava Gerson com um saquinho de água onde nadava o novo Pingo. Pelo caminho foi imaginando a reação da mulher ao presente e em como fazê-la ainda mais feliz. Decidiu surpreender a esposa colocando o peixinho no mesmo aquário do Pingo anterior. Depois, veria a reação de Gabi.
Gerson chegou animado em casa. O peixe custou o “olho da cara”, mas valeria à pena. Percebeu que Gabi estava com visitas. Tanto melhor, a surpresa seria ainda melhor. O aquário cheio de água estava ali. O novo Pingo agora tinha uma casa.
Jogou o peixe no aquário, mas ficou boquiaberto com a reação do peixe. Ele começou a pular na água. Devia estar muito feliz. Gerson pegou o aquário com o peixe pulando e foi em direção a sala onde Gabi conversava com uma amiga.
- Gabi, Gabi, venha ver a surpresa! – disse quase gritando.
Gabi correu ao seu encontro a tempo de ver o peixinho pulando.
- O que aconteceu? Por que essa gritaria?
 Gerson não teve tempo de responder. O peixe deu um salto mortal e, literalmente, suicidou-se pulando do aquário e espatifando-se no chão da área de serviço.
Gerson olhou para o peixe, olhou para o aquário:
-Seu peixe. Eu trouxe o Pingo de volta, mas...
-Gerson, o aquário está com água sanitária! Resolvi dar o aquário para Regina, minha amiga, e deixei-o de molho na água sanitária.
Gerson caiu de joelhos no chão. O peixinho custou tão caro!
E assim, Gabi não quis mais nenhum peixinho. Acostumou-se com a ausência dos filhos e voltou a fazer seus chocolates. Não queria mais saber de tristeza e agora tinha muitas histórias para contar às amigas: as peripécias de Gerson. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pitaco do grilo

Pitaco do grilo

             Novamente fui convocado para dar o meu “pitaco”. Agora estou informatizado, escrevendo pela Internet. Temos que nos modernizar senão ficamos ultrapassados e sujeitos a extinção, como aquele velho forno. Como “não durmo de touca” (essa é velha!) procurei um computador na velha biblioteca onde estou morando e tratei de me atualizar.
             Gente! Alguém tem conseguido assistir o Horário Político na TV? As eleições para prefeitos e vereadores estão próximas e o que vemos mais parece “Circo de Horrores”. Todos são bons, lutam por nossos direitos e merecem nosso voto. Mesmo os que sempre foram eleitos, nunca fizeram nada, com a maior “cara de pau” invadem as casas e obrigam o cidadão a mudar o canal. E eu, no meu canto, tenho que me sujeitar a isso.
            Nas ruas uma infinidade de candidatos com nomes tão esquisitos quanto o que estão falando: Zé da Maria (aqui é a Maria que é famosa), Pedro do bar da esquina e por aí se vai. Estou brincando, mas se você reparar bem nos santinhos que “emporcalham” as ruas e nas placas espalhadas pela cidade, não estou sendo exagerado não. Se vier a chuva que as “mulheres do tempo” anunciam, não há bueiro que aguente tanta porcaria.
            Políticos renomados mudam de partido a cada eleição e a ideologia política vai “pro ralo” também. E os eleitores seguem esse ou aquele candidato, sem se preocupar com ideologias pregadas na época de eleição. Aliás, não sempre se preocupam nem com a “ficha suja” dos que imploram por seu voto.
            Estou descrente da política e embora todo “Ser Humano” seja político por viver em uma sociedade com direitos e obrigações que deveriam respeitar e exigir retorno, a política partidária, na minha modesta opinião, anda falida. Não há muito que discutir sobre caráter, ética e bom senso de nossos candidatos.
            É claro que devem existir candidatos honestos e cumpridores de suas obrigações, cujo único objetivo seja o Bem Comum, mas é como procurar “agulha em um palheiro”. Por isso, as eleições estão aí e vamos procurar as tais “agulhas”. Quem achar primeiro grita para ajudar o amigo a não cair em ciladas. Palavras do Grilo!    Até a próxima...                 

Justiça Social

JUSTIÇA SOCIAL

Mas, que justiça é essa de um só peso, duas medidas,
Nesse mundo às avessas que faz parte das nossas vidas?
Justiça? Somente a Divina. Essa há de existir.
Mas, nesse mundo desigual onde a moral é imoral,
E o normal é obsoleto, a “Lei de Gerson” predomina.
Acabar com essa cisma, tentar mudar essas rimas,
É dever do cidadão na hora da eleição.

Neste jogo de vantagens, no jogo das corrupções,
Seguem os justos em busca da Justiça Social
Trabalho árduo... Luta desigual.
Onde está a Justiça Social?

A que não privilegia nem condena,
Traz harmonia e equidade na vida dos cidadãos,
Nas pacíficas e justas reivindicações,
E busca equilíbrio nas decisões
Para os que tanto precisam e os que tudo tem,
Possam o justo pelo trabalho ganhar,
Sem subtrair de uns nem do outro tirar.
Está difícil de encontrar.

Comportamentos extremistas geram violência,
Elimina-se a clareza de idéias e ações de paz,
Instala-se o caos, a violência, a desunião,
Avança o Mal, corrompe uma Nação.
E o cidadão?

Para mudar esse cenário acabar com a indecência
Criando Leis favoráveis a real cidadania,
Os políticos são eleitos pela Democracia.
Procurar a imparcialidade, não pode ser utopia.
É exercício de Direito... Plena cidadania.
Clamor do Bem contra o Mal...
Justiça Social!
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DECEPÇÃO

                      Jaz na terra! Não há mais segurança no mundo,
 Um clamor, um grito, um desabafo
                       Soa nos lábios das vítimas da perversão humana,
   Tiraram-lhe o filho, o pai, o idealista!
      Instalou-se o caos, o mundo corrupto!
             Caducam as Leis, caducam as Instituições,
 A palavra de ordem é a Corrupção!


          De onde vem tanta maldade e violência?
     Onde está a verdadeira fraternidade?
 Sucumbida diante das atrocidades.

 Hoje, o que vale é a Lei dos fortes.
              O mundo está um caos, celebra-se a morte.
                Mata-se por prazer. Mata-se por leviandade.
                  E não há punições para aquele que transgride.
               Não há justiça na mão que mata que agride.
                 Somos prisioneiros entregues a própria sorte.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Minha mercedes


Minha Mercedes!

          Advogado, bem sucedido, Dr. Celso se orgulhava em ter vencido na vida a custo de muito trabalho e dedicação. Esse legado sempre foi seu orgulho e transmitia aos três filhos e a esposa Vânia que trabalhava como administradora de um laboratório farmacêutico.
Dr. Celso sempre fora um homem zeloso com a formação dos filhos. Desde cedo direcionara o futuro dos filhos para os estudos: queria-os formado e bem empregado. O dinheiro ganho com o trabalho era sagrado e merecia ser bem gasto. Valendo-se de anos de experiência ensinava a família a não gastar desnecessariamente, poupar sempre que possível e empregar em bens imóveis. Mas, tinha uma ressalva para a compra de carros:  
-NUNCA, em hipótese nenhuma, comprem um carro usado. Carro usado é problema! Guarde dinheiro até conseguir comprar um zero quilômetro.
E, assim, os filhos seguiram os ensinamentos paternos. O carro podia ser simples, mas sempre zero quilômetro.
Qual não foi a surpresa de todos quando, um dia, após o almoço, Dr. Celso chega em casa com uma Mercedes maravilhosa, verde escura, metálica, conversível, mas de SEGUNDA MÃO.
A esposa ficou indignada e os filhos, embora tenham achado o carro maravilhoso, também ficaram decepcionados:
-Pai, você sempre nos falou que não devemos comprar carro usado e agora... Onde ficam seus ensinamentos?
- Mas esta é uma Mercedes! Mercedes não é carro. É patrimônio! E depois, foi uma pechincha!
A esposa Vânia quis logo saber de quanto era a pechincha. Dr. Celso respondeu meio sem graça:   
- Trinta e oito mil. Mas vale muito mais. Tá de graça!
A família resolveu não fazer juízo de valor. Não era hora. Vânia sentenciou:
-Cada cabeça, sua sentença!
Praga de mulher tem poder. Passada a euforia da compra,  o carro começou a dar problema. Quebra daqui, quebra dali! E a demora e o custo das peças deixavam Dr. Celso desolado.
Os meses foram passando e Dr. Celso se decepcionando. O carro ficava mais parado do que andando. Resolveu vendê-lo, mas o preço que a concessionária queria pagar era muito inferior ao que desembolsara pelo carro.
- O máximo para compra é dezenove mil. – disse o vendedor com desdém. - É um carro importado e as peças são muito caras.
- Por esse preço, fico com o carro! – dizia irritado.
Naquele dia, Dr. Celso estava desanimado. Não vendera o carro e ainda teria de aguentar a família tripudiando em cima dele. “Tudo que está ruim pode ficar pior”- pensou desolado. Sábios pensamentos!
No meio do percurso para sua casa, o sinal fechou e um sujeito bateu em seu vidro. Dr. Celso não conseguia entender o que estava acontecendo. O homem gritava alguma coisa que ele não conseguia entender.
“Estou sendo assaltado”- pensou com seus botões. Mas, não se desesperou. O carro era blindado e ele não abriria o vidro. Quando o sinal abrisse, sairia em disparada. Mas, outro rapaz bateu do outro lado do vidro. Dr.Celso gelou. Pensou estar sendo assaltado por uma gangue. Nem olhou para os “marginais”.
Um dos rapazes, percebendo que Dr.Celso não olhava para eles, pulou na frente do carro. E, sem alternativa, ele decifrou o que o homem lhe dizia:
-Fogo! Seu carro está pegando fogo!
Só agora, ele notava que uma fina fumaça estava saindo do motor do veículo. Ele abriu a porta imediatamente:
-Desculpe, eu não entendi o que vocês diziam.
-O senhor tem extintor? Vou pegar também de outros carros. - gritou o rapaz aflito.
-Tenho, mas não olhei se não está vencido.
Por um momento, Dr.Celso pensou em acudir rapidamente seu patrimônio, mas, logo depois, lembrou do seguro. Se o carro desse “PT” (perda total), o seguro arcaria com o preço que ele comprou.
Não aquele carro não merecia ser salvo.  Gritou para os rapazes:
- Me ajudem a desocupar o porta-malas. Eu chamo os bombeiros!
O porta-malas estava lotado de engradados de cerveja. Isto sim era material que não poderia ser consumido pelo fogo. Enquanto os rapazes retiravam os engradados do carro, calmamente, o Dr.Celso chamava um táxi. Sim, um táxi para levar os engradados e seus documentos para sua casa. Depois ainda telefonou para a sua empregada:
- Maria, vai chegar um táxi com umas coisas minhas. Receba, por favor! Pode deixar na garagem.
A esta altura a fumaça estava alta. Foi aberto o capô e o fogo já se alastrara. Dr. Celso estava calmo e, em silêncio, rezava para que o carro queimasse totalmente. “Meu Deus, faça com que os bombeiros demorem um pouco mais!”.
Uma multidão se aglomerou em volta e algumas pessoas tentavam inutilmente conter as chamas, inclusive os dois rapazes. Barulhos de sirenes anunciavam a presença dos bombeiros, mas não havia mais tempo. O carro estava perdido! Dr. Celso fazia cara de quem sofria com a perda.
-Acabei de comprá-lo. Fui enganado! Agora só me resta chorar.
Sentou na calçada e pôs a mão no rosto. A multidão foi se dissipando. Passavam por ele e diziam palavras amigas. Os dois rapazes, todos sujos, foram os últimos; um deles falou:
-Fizemos o possível, mas não deu. Sinto muito, doutor.
Dr. Celso se sentiu mal. Tinha uma dívida de gratidão com os dois. Eles salvaram sua vida.
- Vamos tomar umas cervejas para afogar as mágoas. Vocês merecem!  
O bar era convidativo. A cerveja estava gelada. Os tira-gostos estavam deliciosos e a tarde estava maravilhosa! 

grilo pensante

“Grilar do grilo”
Eu sou um grilo muito maroto que gosta de muito aprontar, mas não sou um “grilo falante”; sou um grilo pensante. Se eu falo? Claro que sim, com os meus irmãos e parentes de minha comunidade. Também aprendi a ler e escrever e, pasmem, em Português, pois já morei em uma escola, mais precisamente em uma sala de aula e como sou muito inteligente, aprendi com certa facilidade; meu próximo desafio é dominar outras línguas, mas esta é outra história que qualquer dia eu conto.
Costumo dizer que todo grilo é brasileiro por causa da minha cor esverdeada com nuances amarelas. Também sou vidrado por futebol, mas meu time do coração é a seleção brasileira, pois a represento em minhas cores. Sou um grilo do bem e não gosto de violência, por isso não frequento estádios e outros lugares com muita gente; afinal, sou muito pequeno e posso ser pisoteado por humanos sem coração.
Gosto dos seres humanos, apesar de muitas vezes chegar a desprezá-los. Seres humanos são bichos difíceis! Dizem que são inteligentes, mas matam por qualquer motivo em guerras absurdas em nome da religião, honra e etnia. Frequentemente, eu leio jornais e assisto à televisão e fico assustado com o que acontece no mundo. Humanos nem sempre se entendem, muitos desconhecem o valor palavra “Fraternidade”. Até no futebol, nos estádios, onde deveria ser um momento de lazer, pessoas se confrontam. E quantas famílias destruídas entre os humanos: filhos matando pais, marido matando esposa... São atrocidades difíceis de acreditar!
Em minha comunidade isso não acontece: Grilo não sai por aí matando outro grilo. Entre nós existe respeito mútuo entre as famílias!
Mesmo assim, tenho uma verdadeira admiração por homens e mulheres que ganham a vida labutando por um mundo melhor na busca de soluções para um mundo mais justo. Admiro suas ações e seus sucessos na ciência, no direito, na política, na ajuda humanitária e em todos os campos onde suas inteligências múltiplas conseguem alcançar.  
Não vou dizer que todos meus parentes são santos. Tenho ancestrais que foram verdadeiras pragas. Lembram-se das pragas do Egito? Pois é, os gafanhotos são meus ancestrais. Verdadeiras pragas que, ainda hoje, acabam com as plantações, causando prejuízos enormes aos agricultores. Mas, deixemos esses meus parentes “do mal” de lado. Também sou parente do “louva a Deus” que é outro inseto do bem.
Embora a espécie humana acredite que só ela é provida de inteligência, asseguro que nós, insetos, somos muito mais inteligentes. Qual humano consegue suportar uma nuvem de gafanhotos ou milhares de grilos tilintando ao mesmo tempo?  Ninguém.
Meus ancestrais, os gafanhotos, são pequenos, mas com inteligência suficiente para enxergar o que o homem não consegue ver. Somos pequenos, mas deixamos qualquer humano doido.  Por isso, afirmo que “tamanho não é documento”. Esse negócio de “inteligência humana” é coisa que o homem inventou para valorizar a sua espécie.
No meu modo de pensar o mundo, até mesmos os objetos e móveis que os humanos acreditam não possuir sentimentos são passíveis de emoções devido a sua origem vegetal ou animal. Para que vocês entendam melhor o que estou pensando, vou relatar o que eu ouvi. Ninguém me contou, eu presenciei um forno velho em profunda depressão.
Estava eu pulando de um lado para outro quando ouvi alguém chorar. Não havia ninguém no local. Olhei para todos os lados e percebi que era o forno que chorava. Isso mesmo, o forno estava arrasado! Seu dono Diógenes ia trocá-lo por um mais moderno, de acordo com a reforma que fizera no sítio. Ele se sentia infeliz, desprezado, humilhado. Pulei para perto dele e escutei seu lamento:
-Esquentei... Assei... Esfriei. Em minha volta risos e festas. Eu era o centro das atenções. Amado pelos comilões, totalmente indispensável! O que mais me interessava era que o patrão me idolatrava. Ao meu redor, os violões tocavam versos que lembravam o amor. O samba rolava “solto” e eu, ali, como um louco esquentava o ambiente. Uns dançavam, outros preferiam cantar, como é o caso do meu amigo Betão, e eu, o forno que tudo sente, me sentia adorável. Eu era a peça imprescindível e por isso intocável. Mas, o tempo passou... Hoje não querem saber de mim. Virei, um traste que atrapalha. Julgam que forno não sente, mas se enganam. Estou velho, sujo, acabado e, é claro, serei trocado pelo mais jovem, moderno, eficiente. A casa passou por reforma, tudo foi modificado. Está tão bonita, mudada, mas minha história como fica? Fiz parte de suas vidas, até ouvi suas brigas, seus sonhos, suas saudades, seus prantos, a felicidade...E nada... Nada adiantou. Outro forno tomará meu lugar. Minha última chama se apagou; meu tempo aqui já se foi. O Diógenes me abandonou!
Confesso que senti pena do forno. Como os humanos são insensíveis!  Mas, a vida é assim, o tempo passa para todos. Se muitos humanos não têm respeito nem com seus próprios velhos como se importariam com um forno. Alguns humanos tratam seus velhos como se fossem tralhas que precisam ser descartadas. Uns são abandonados em asilos e outros são considerados um peso para a família. Eles esquecem que os mais velhos têm as experiências dos anos vividos, o amor incondicional a sua gente e merecem um lugar privilegiado junto aos seus; nessa fase da vida é que mais precisam de amor e proteção. Eles esquecem que todos ficarão velhos e que no mundo há a lei do retorno, tudo “o que se planta, se colhe”. Graças a Deus, nada entre humanos é unanimidade! Muitos velhinhos são tratados com carinho e apreço por seus familiares.
Como sou um grilo que gosto muito de ler, já li muito e fiquei fascinado com “O Pequeno Príncipe”. Quantas coisas aprendi com aquele livro, principalmente que somos responsáveis pelo que cativamos. Cabe a nós o dever de zelar pelo que amamos.
Depois de ouvir o lamento do forno, confesso que fiquei preocupado em não ferir a susceptibilidade de ninguém, humanos ou não... Prezo pela minha vida!
Como já dei meu “pitaco” vou saindo “de fininho”, antes que aquela vassoura velha que vive atrás da porta venha esquentar minhas costas. É outra que só obedece ao comando dos humanos. Passar bem!

Reconstrução

RECONSTRUÇÃO

Reconstruir... Fazer de novo!
Procurar um sentido, uma nova direção.
Tijolo por tijolo, reconstruir os sonhos,
Recolher os entulhos, varrer dissabores,
Distribuir a energia, trazer a luz das vidraças,
Os cacos serão ladrilhos, a pichação obra de arte,
E, na casa nova há lugar para a felicidade,
Um lugar para ser feliz!

Ficar no passado é retrocesso!
Abrir baús velhos é sentir o mofo do tempo.
Até o antigo precisa de novas roupagens,
É salutar valorizar novas vivências,
Buscar no passado o que pode ser reformado.
Trazer para o presente o que há no pensamento
E sem mágoas, sem cobranças ou dilemas,
Sentir o gosto de ser feliz neste momento.

É assim reconstruindo a história,
Na reconstrução diária da alegria de viver,
No recomeço do amanhã de novos sonhos,
O velho coração será jovem para entender,
O ilimitado tempo de viver!