quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Sr.Rui-homenagem

Sr.Rui-homenagem
“Quem conta aumenta um ponto”, mas esta é uma história verdadeira e que pode começar como todas as histórias infantis: “ERA UMA VEZ...”.
 -SENHORAS E SENHORES! Agora, com vocês, os melhores palhaços da atualidade: GELEIA E MALUQUINHO.
E lá vinham eles, dando piruetas, provocando riso, agradando crianças e adultos. As peripécias infantis não escondiam a vontade de ser um artista de circo, de correr o mundo nas lonas de um picadeiro.
-“O palhaço o que é?”
-“É ladrão de mulher.”
 Aquele mundo atraia Geleia e o transportava a lugares onde a alegria era a única companheira. E ele, adolescente, pulava, girava, sorria. O mundo lhe pertencia e era o lugar onde desde pequeno quisera estar. Desde criança adorava tudo que o tirasse da mesmice do dia a dia: o parquinho que chegava ao povoado com seu carrossel que girava, girava provocando gritos e sensação de liberdade. A roda gigante também era parceira e, com ela, ele ia conquistando as meninas de sua idade.
Geleia e Maluquinho era o sonho realizado.  Trabalhar no circo! Essa vontade de alguma forma ter o controle de seu destino é que o fazia sonhar desde os tempos de moleque. Fora uma criança arteira, desassossegada. Fugiu várias vezes quando criança; pegava o trem e ia a São Paulo, deixando os pais desnorteados. No final do dia estava de volta pronto para o castigo. O desejo acalentado há tanto tempo, finalmente, ao alcance das mãos.
Naquela manhã, o impossível aconteceu: O circo estava na cidade e recrutava artistas para diversos papeis. Era um desafio a vencer.
O pai faleceu cedo, mas a mãe o trazia a “rédeas curtas”. Viúva, a ela cabia a educação dos filhos e Nego, como era chamado em família, passava por vários apuros, porque era o que dava mais trabalho: a algazarra com os amigos, as notas regulares, o namorico adolescente. Tudo isso o levou para o trabalho bem cedo, como funcionário do Diário da  cidade.
 -Quem sabe adquire assim mais responsabilidade e jeito- diziam os pais.
Aos 16 anos já havia conquistado aquela que seria sua companheira por toda uma vida: a Darci. Darci era uma adolescente de 12 anos. Do namoro ao casamento foram quatro longos anos. De família humilde, Darci conhecia bem a luta do dia a dia. Desde cedo trabalhou fora para ajudar a família. Juntos iriam unir esforços. Casaram-se, Nego tinha apenas 20 anos.
Só aí que o Geléia da infância percebeu que o papel de palhaço não lhe cabia mais: na nova vida era preciso “matar um leão a cada dia”, o seu novo papel estava mais para “domador de feras”. Equilibrista na vida, Nego sabia que o picadeiro seria só em sonhos, pois a nova vida era preciso responsabilidade.  A esposa teve que deixar de trabalhar para cuidar dos filhos e eles foram chegando um atrás do outro: Rui Carlos, Roberto e Sérgio. O dinheiro foi diminuindo, as despesas aumentando. Nesta época, já trabalhava no DAEE, como funcionário público e, por isso, o casal teve que mudar para Casa Grande, um distrito de Mogi das Cruzes. 
A vida não foi fácil, Nego sentia o que era ser pai de família. As brincadeiras, o bar com os amigos, tinha que ser repensado. Duas mulheres foram fundamentais para que ele se tornasse o homem de hoje: Dona Lúcia, sua mãe, e Dona Darci. As duas se uniam se as coisas não andassem no devido lugar. E Nego não tinha alternativa, a não ser mudar de rumo. Errou, acertou, mas continuou a sorrir... 
 Nego mesmo com pouca idade, era um pai exemplar. Quantas vezes, quando os filhos adoeciam, sozinho os levava para São Paulo em busca de socorro. Hoje, eles reconhecem o sacrifício que o pai nunca deixou de fazer e isso serve de exemplo em suas vidas. Quando os dois mais velhos precisaram estudar o ginásio (como era chamado a quinta série do ensino fundamental), tiveram que deixar Casa Grande e morar na casa de parentes: O Rui Carlos com a tia Tereza, o Roberto com a avó materna. Os pais “morriam” de saudades; na época era muito difícil o transporte de ônibus. A saudade aumentava a cada dia e conscientes que o melhor era a família novamente junta, quando o Sérgio terminou a 4ª série, todos vieram morar em Mogi das Cruzes. Nego veio transferido para o DAEE de Mogi das Cruzes.
A vida começava a melhorar. A esposa companheira das lutas e dos sacrifícios começou a trabalhar como cabeleireira e os meninos, já adolescentes, ajudavam financeiramente nas despesas de casa. E assim, Nego foi percebendo o quanto era importante para a família que construiu. Como eram especiais seus exemplos de vida na formação de seus filhos. Foram barreiras vencidas, obstáculos superados.
            Já aposentado continuou a ajudar a esposa nos afazeres domésticos: na cozinha, com suas farofas, seus pudins; nas compras de supermercados... Hoje, é um homem feliz e realizado. Feliz porque plantou alegria. E essa alegria, distribui a sua bisneta, Valentina, aos netos e filhos e a toda a vizinhança. Sempre está com uma criança no colo, fazendo-a sorrir tal qual o palhaço Geléia que representava na adolescência:
            É com orgulho que seus filhos o estão homenageando neste seu aniversário. Valeu Sr.Rui! 
            -Senhoras e Senhores, bem vindo ao Circo da Vida: o Palhaço Geléia está completando 80 anos.   Sejam felizes, a alegria não cobra ingresso.
            Para terminar, um pensamento de Mário Lago que parece traduzir a vida do Sr. Rui nestes 80 anos:
“Fiz o que quis e fiz com paixão.
Se a paixão estava errada, paciência.
Não tenho frustrações...
Não fiquei vendo a vida passar,
Sempre acompanhei o desfile”.
            O circo da vida se encerrou em 28/09/2016. Aos 82 anos, em setembro, a voz e as brincadeiras de geleia já eram saudades, mas no coração dos que o amavam ficou e sempre ecoará no picadeiro dos sonhos.
             Adeus Geléia, adeus Ruy Gilberto Vieira, seja feliz no circo dos céus onde a alegria reina para sempre. E, como última homenagem, a música que gostava tanto de cantar:
“Tá tá tá tá na hora,
Po pó pode tudo agora,
Sou mo mole pra falá
Mas sou um pintacuda pra beijá”
Tá na hora de ir embora, mas no coração de todos que o amavam continuará sempre presente. Tchau. Seja feliz eternamente.

Hoje, um ano de sua partida. Só restam as lembranças alegres.

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