Violência Urbana
Fernando, 23 anos. Codinome: Nando. Quando criança viveu em
um orfanato, a mãe alcoólatra e acusada de pequenos roubos perdera a guarda do
filho. No orfanato, viveu até os dez anos, quando foi novamente entregue à mãe
que já havia cumprido pena.
Maria, a mãe, vivia do trabalho como doméstica e do
dinheiro que o filho ganhava fazendo pequenos bicos. Mas, logo, tudo mudou. Sentindo-se
sozinha, ela se uniu a Teodoro, um sujeito agressivo e possessivo. Nando ficou
revoltado com essa união e descontava seu inconformismo aprontando na escola e
em sua casa. O casamento com Teodoro, além da revolta de Nando, trouxe a Maria
mais sofrimento. Freqüentemente, o companheiro lhe batia e ameaçava o enteado.
Um dia, de tanto apanhar, Maria veio a falecer e Nando viu seu último elo
familiar desmoronar. Saiu do morro disposto a matar o padrasto, mas Teodoro se
evaporou e nunca mais foi visto.
Nando começou a viver nas ruas, tornou-se “aviãozinho” do
tráfico. Durante uma “blitz” foi preso por policiais. Pegou dois anos de FEBEM;
vida difícil e sofrida. Participou de rebeliões, foi recapturado e passou por
todo o tipo de provações. Estava marcado
pela dor e rebeldia!
Aos dezoito
anos, Nando ganha a liberdade. Cai uma chuva fina e
ele sente frio. Frio na alma! A rua, novamente, será seu lar. Senta-se embaixo
de uma ponte. A fome é aliviada com um sanduíche a beira da calçada, comprado
com os últimos tostões que ainda lhe restavam. Seus pensamentos não lhe dão
trégua.
De repente, o barulho de um menor correndo seguido
por passos fortes de pessoas que vêm ao seu encalço. O menino vai até uma
lixeira, joga nela alguma coisa e foge em disparada, sem prestar atenção em Nando
que se escondeu atrás de um muro bem perto da lixeira.
A curiosidade leva Nando até a lixeira. Vê uma
carteira, pega e a coloca com rapidez no bolso. Sorri, é um prêmio por tudo que
passou. Não vai devolver a carteira. O dinheiro é seu, ele o achou!
Olha para o lado e vê que não está sozinho.
Alguém grita do outro lado da rua.
- Hei você! Pega ladrão!
Os gritos são seguidos pela sirene de um carro
de polícia. Nando foge desesperado, pulando muros e desvencilhando-se em vielas
escuras. O som da sirene se intensifica. Nando sente medo, se for descoberto,
vai voltar para a prisão. Avista uma casa e arromba a porta com truculência. Na
sala, uma jovem mulher, assustada, dá um grito ao vê-lo no centro da sala:
-Boca calada, dona! Não quero matá
ninguém, mais você tem que colaborar.
-O que você quer? Leve o que quiser.
-Não quero nada da madame. Só quero meu
dinheiro. Eu não vô a.ssaltar a senhora!
-O que você quer? Não me mate!
- Fique quietinha, não quero se
aborrecer. Eu não robei nada. Acabei de achá uma carteira. Achei no lixo.
Achado não é robado. Ela é minha.
As sirenes ficam mais altas. A rua está
silenciosa, mas o barulho de passos aumenta. A casa é cercada por policiais. Nando
se desespera. Sua mão dentro do bolso do blusão insinua uma arma. Jurema se
amedronta:
-Por favor, se entrega. Eu ajudo você!
Nando não responde. Os minutos passam...
Passos, abafados, são ouvidos na sala silenciosa. Nando pressente os policiais
subindo as escadas.
Jurema percebe que a arma é um blefe e
espera uma oportunidade. Quando ela surge, a mulher se arrisca e corre até a
porta, abrindo-a e escondendo-se atrás dela.
Os policiais entram atirando na direção
de Nando. Ele cai.
- Ai! Me acertaram! Desgraçados!
Jurema se desespera, quer ajudá-lo:
- Me desculpa, moço! Eu não sabia que eles iam
entrar atirando. A culpa foi minha!
-Meu destino tava traçado, moça. Não se culpe
não. Eu sou o culpado!
Jurema se aproxima e coloca a cabeça de Nando
em seus ombros; ele parece sorrir. Jurema pede aos policiais que não se
aproximem. As mãos saem do bolso do blusão retalhado pelas balas. Não há
revólver. Nando observa o vazio:
- Moça, olha lá no alto! É a minha mãe! Ela veio me buscar.
Não há mais nada a fazer. A carteira é
levada por eles. Mais um caso resolvido!
Nando é mais um engolido pela “selva de pedra” que, novamente, uniu vidas espalhando morte.
Os
sinos da capela anunciam mais um sepultamento. Somente uma pessoa acompanha o
carro fúnebre. É Jurema.
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