“Mulata Arretada”
Ela, corpo
escultural, gingado de “parar o comércio”, lembrava em muito as mulatas das
escolas de samba. Viera do Nordeste, mais precisamente de Maceió, para a praia
da Enseada, no Guarujá, litoral de São Paulo. Guarujá lhe lembrava a terra que
deixara pela falta de oportunidade. Nunca perdera o bom humor, o sol e as
areias da praia.
Rosemary,
esse era seu nome, pronunciado por ela com sotaque americano. Afinal, ela era
“chique no urtimo” como gostava de brincar. Não queria ser chamada de Rose. Rose
não tinha o mesmo “glamour” de Rosemary.
Conseguira um
emprego de garçonete em um quiosque a beira-mar e um quartinho na favela
próxima. Adorava o carnaval e ficava em êxtase toda vez que assistia pela
televisão ao espetáculo. O Rio de Janeiro era seu objetivo, o carnaval era o
seu sonho... Um dia, chegaria lá. Tornar-se-ia a rainha de bateria da Beija-
Flor, a sua escola do coração, embora soubesse de cor todos os sambas enredos
das escolas famosas: Portela, Mangueira...
E, cheia de
sonhos, Rosemary transitava entre as cadeiras na praia, sorrindo sempre e com o
rebolado de “parar o trânsito”. Os fregueses gostavam dela e as gorjetas sempre
eram generosas. Na temporada, sempre havia uma roda de samba e mesmo servindo
as mesas, Rosemary sambava e encantava os clientes. O patrão não reclamava, o
negócio prosperava...
Quando
terminava a temporada a cidade se esvaziava. Aquele marasmo não combinava com o
seu perfil. Ela queria “samba, suor e cerveja”. Queria o agito de um dia de
sol.
Foi em um dia
de verão que ela conheceu Jorge. Jorge, um aposentado com mais de setenta anos,
trinta anos mais velho que ela e que se encantara com sua beleza, seu riso
farto e suas curvas... Que curvas! Para Rosemary era a possibilidade de uma boa
gorjeta, para Jorge a possibilidade de um encontro.
No final do
expediente, Jorge lhe ofereceu uma carona. Rosemary pensou em recusar, afinal
tinha sua dignidade e não ia sair com estranhos, mas Jorge insistiu e ela
aceitou. Era a economia de uma passagem de ônibus e de tempo.
Enquanto se
dirigiam para a favela onde ela morava, Jorge contou a sua vida. Tinha-se
divorciado da primeira esposa e deixara para os filhos toda sua herança,
inclusive a empresa que conquistou a custa de muito trabalho. Resolvera morar
em uma cidade a beira-mar. Comprou, com as economias que guardou para a velhice,
um apartamento. Mas, sentia-se só.
Precisava de alguém ao seu lado:
“Mais um
velhote querendo ganhar uma mulher mais jovem”. - pensou Rosemary. E,
instintivamente, ficou na defensiva.
O carro
chegou ao destino e Jorge, gentilmente, lhe abriu a porta dizendo:
- Preciso
encontrar você novamente. Gostei de você.
- Você sabe
onde me encontrar. Estou a sua disposição no quiosque. Nada mais que isso. –
respondeu a moça sem se comprometer.
Veio o verão
e a temporada prometia muito. Servia as mesas, dançava, cantava e encantava os
fregueses. Jorge em um canto, só olhava embasbacado. Na saída, lá estava ele a
sua espera.
Foram meses
de muitos encontros. Rosemary se sentia feliz. Gostava de Jorge, de seu jeito
calmo e respeitador, ele a tratava como uma “lady”. O namoro foi ficando sério.
Em um domingo
de sol, no final do expediente, Jorge a esperou para a carona rotineira.
- Rose,
preciso lhe falar. Faz tempo que somos amigos, mas meus sentimentos não são
mais de um amigo. Eu lhe amo. Quero me casar com você. Não tenho mais idade
para esperar...
A moça foi
pega de surpresa. Tivera muitos namorados, inclusive em Maceió, mas nenhum a
levou a sério. Esse era o primeiro convite de casamento:
- Você está
maluco. Tenho trinta anos a menos que você... O que irão falar?
Jorge insistiu.
Ela cedeu:
- Vou pensar
com calma. Me dá um tempo.
- Vou até São
Paulo, resolver uns negócios. Falar com minha família. Na volta, quero uma
resposta sua.
Rosemary
ficou apavorada. Casar com Jorge? Por
outro lado, seria uma dama. Jorge, com certeza, a levaria ao Rio de Janeiro
para sambar na “Beija-Flor” com a fantasia que quisesse. Finalmente, realizaria
seu sonho.
Ainda pensava
no assunto quando Jorge apareceu dias depois. Estava calado, preocupado. Contou
a ela que os filhos foram contra o casamento. Acharam precipitado o pedido e
que, com certeza, Rosemary estava dando o golpe do baú, achando que ele tinha
herança. A diferença de idade entre os dois tinha “pesado” bastante. Mas, como a
vida era dele e a herança já estava dividida, o problema era dele.
Rosemary resolveu
terminar tudo. Não quis carona, não quis conversa. Estava indignada com o
ocorrido. Ela era uma mulher de personalidade e nunca pensara em se casar por
dinheiro, ainda mais com um homem mais velho. Foi passear na praia.
Era um dia
todo especial: Dia da Consciência Negra. Feriado. O samba corria solto num barzinho
na esquina. Quando ela entrou no barzinho, o samba parou. O silêncio foi geral.
Só se ouvia o som da cuíca chorando ao fundo. As mulheres a olharam com desdém,
os homens com interesse. Rosemary entrou no ritmo do samba. Seus cabelos
compridos enrolados em madeixas que lhe cobriam os ombros lhe ficavam muito
bem. Boca carnuda e um lindo par de pernas apareciam na minissaia descolada. Ela
queria sambar e esquecer Jorge e toda sua família.
Jorge demorou
a lhe procurar. Rosemary sentiu sua falta. Um dia, na saida do quiosque, ele
estava lá:
-Tudo
resolvido com minha família. Só tenho o apartamento e ele será seu presente de
casamento. Case comigo.
Rosemary se
rendeu. Sentia por ele uma ternura especial. Era dele que ela gostava. Aceitou se
casar.
Os pais de
Rosemary vieram de Maceió para o casamento. Estavam felizes. Jorge não era
casado no religioso e, portanto, os sonhos dos pais em vê-la casar na Igreja
foram realizados. Rosemary subiu o altar como uma princesa. Jorge,
elegantemente trajado, era mais velho que o pai da noiva. Ao sair da Igreja, já
como Sra. Nacif, Rosemary tinha certeza que fizera uma boa escolha. Jorge era
um “gentleman”.
A lua de mel
foi maravilhosa. Foram ao Rio de Janeiro e ela conheceu os pontos turísticos
mais famosos e as praias mais lindas do mundo. Rio de Janeiro, berço dos poetas
e dos sambistas famosos ou anônimos! Mas, faltava a Beija-Flor: sua escola do
coração.
Jorge não a
decepcionou, levou-a para conhecer a Escola. Enquanto ele a admirava, sentado
próximo à quadra da escola, Rosemary se acabava no samba. Dançou a noite toda.
Já na manhã
seguinte, quando os primeiros raios de sol embelezavam ainda mais a “Cidade
Maravilhosa”, Rosemary deixou o samba e agradeceu a Deus e ao marido. Sentia-se
a mulher mais feliz do mundo. Estava no Rio de Janeiro, lugar do carnaval, da
sua Escola de Samba e o futuro, com certeza, seria maravilhoso!
Resolveram
morar lá. Foram muito felizes no Rio onde a cidade os recebeu de braços
abertos. Rosemary tinha só motivos para sorrir: muita praia, muito samba e
cerveja.
Anos depois, em decorrência da idade avançada, Jorge veio a falecer. Rosemary se fechou em uma
tristeza que, até então, nunca conhecera. Prometeu a si mesma que nunca mais
queria saber de samba e carnaval. Sem Jorge, nada valia à pena.
O carnaval
chegou e tudo era cinza em seu coração. Havia um ano do trágico acontecimento.
Rosemary saiu para passear na orla da praia, quando ouviu o som da cuíca, em
lamentos tristes, chamando-a para dançar. Ela seguiu o ritmo de seu coração. Entrou
na quadra da escola e foi contagiada pela euforia dos sambistas.
Com certeza, Jorge
entenderia. Era o samba que a chamava para a vida. Um festival de alegria tomou
conta de todo o seu coração. Rosemary sambou... Sambou... Sambou até o sol
raiar.
Ela estava de
volta e o samba novamente “pedia passagem”.
Adorei o conto, tia! O clima dele é tão gostoso que dá vontade de sair sambando!
ResponderExcluirBeijos!
Obrigada Aione. Você que é muito gentil.Bjs.
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