segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Atração fatal


Turbulências

O dia, até então, estava maravilhoso. A tarde inteira no motel e a noite um filminho para relaxar: Atração Fatal. A história de uma amante que em um ato de loucura, ao se sentir rejeitada, inferniza a vida do amante e de sua esposa até destruí-la completamente.
O filme tinha mexido com o casal, talvez pelas coincidências entre a realidade dos dois e a ficção do cinema. No filme, o personagem principal era casado, feliz no casamento e se envolvia com outra mulher, mas as semelhanças paravam aí. Na vida real, Mara e Cadu eram amantes já há algum tempo e nunca houve ciúmes entre eles, diferentemente da ficção. Mara sempre soubera que seria assim. O pacto era este: Cadu já era casado quando a conheceu, tinha uma esposa e com quem sonhava em ter filhos. A família era sagrada, mas o prazer e a alegria eram da amante. Ela aceitara essa situação com certo ar de superioridade, pois os momentos melhores ficaram para ela; a traída, a enganada, era a esposa. Por que a sensação de ser a única que estava perdendo?
- Se isso acontecesse comigo, não deixaria “pedra sobre pedra”. Ela estava esperando um filho dele. Ele deveria ter mais consideração. – falou com veemência se referindo ao filme.  
Cadu sentiu um mal-estar, um friozinho “dos pés a cabeça”. Por que esse comentário infeliz neste momento? Uma ameaça?
- Não fique nervosa, é apenas um filme. Não vamos brigar por causa disso.
-Não estou nervosa, Cadu. Você é que ficou impressionado e está nervoso. Por acaso a “carapuça” lhe serviu?
“Droga de Filme”. - pensou Cadu com seus botões. Ali estava ele sendo pressionado pela amante, no dia em que completavam três anos de muito amor e compreensão. Deu-se um silêncio fora de hora no apartamento, ambos pensavam no filme sob óticas diferentes: Cadu nas consequências que a aventura fora do casamento causou ao personagem do filme e Mara na amante do filme e na tragicidade do desfecho.
- É uma pena que o filme acabou com o seu bom humor. – disparou Cadu.
- Ninguém está nervosa aqui. Vamos conversar mais um pouco.
- Estou com muito trabalho pra fazer. É melhor deixar pra outra hora.
- Hoje é sábado. Você não trabalha.
-Trouxe serviço pra fazer em casa. Até mais, amor. Amanhã, eu lhe telefono. Durma bem.
Mara ficou apreensiva. Nestes três anos de convivência, o sábado sempre fora dela; a mulher “oficial” achava que o marido trabalhava no sábado. Ele estava mentindo, estava fugindo da conversa e alguma coisa estava errada. Ela foi para cama, mas demorou a dormir. Quando dormiu, sonhou com o amante a traindo com outra e mesmo com a própria esposa. Em seu sonho, a esposa de Cadu sabia que ela existia e ria com o marido pelo tempo que Mara perdeu sendo a amante, pelos filhos que ela deixou de ter, pelas oportunidades que deixou para trás. Os dois, a esposa e Cadu, se amavam e falavam dela com desprezo. Acordou assustada. A imagem de ser a preterida, de estar sendo traída não lhe dera trégua. Sentiu ódio dos dois: da esposa e do amante.
- Como fui ingênua em não perceber o que estava se passando. Isso não vai ficar assim. Filhos da mãe! – bradou alto.
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Cadu, na noite anterior, voltara cedo para casa. Lucy, a esposa, estranhou:
- Voltou cedo! O que você traz aí, querido? – falou apontando para o filme que ele trazia nas mãos.
- Ah. É um filme que trouxe pra vermos juntos. Mas, já me disseram que não é bom e que não vale a pena.
- Vamos assisti-lo mesmo assim, querido. Vou fazer um pouco de pipoca. Faz tempo que não vemos “um filminho” juntos.
Era a segunda vez, em um curto espaço de tempo, que via o filme e com mulheres diferentes. O filme rolava na tela e Cadu suava frio. Nunca um “the end” fora tão aguardado. O comentário de Lucy em nada ajudou a situação:
- Puxa, que filme! Não sei o que faria nessa situação. Só tenho a certeza que se fosse a esposa nunca perdoaria o marido. Matava os dois. Os dois iriam “arder no inferno”.
Na verdade, nunca vira Lucy tão agressiva. Ela sempre fora recatada, com boas maneiras. Nunca havia se exaltado.
- Você está perturbada.
- É claro que não. Estou só brincando. Vamos dormir. Amanhã, vamos à casa de meus pais.  Você está suando frio. O filme lhe impressionou muito!
Cadu também não teve uma noite tranquila. Sonhou com a amante com uma faca vindo em sua direção e também com a esposa lhe colocando pra fora de sua casa com “duas pedras na mão”. Respirou aliviado ao acordar. 
A visita aos sogros não melhorara seu estado de espírito, que bom que o dia estava acabando. Enquanto a esposa dormia ao seu lado no carro, Cadu pensava na vida. Arrumara uma amante por acaso, não por amor. Afinal, ela era linda, sensual e sem complicações, mas, amor era o que sentia pela esposa, aquela que dormia ao seu lado.
No dia seguinte, foi para o serviço disposto a por um ponto final naquela história. Mas, sentada no sofá da sala de espera, Mara o esperava. Seu coração disparou:
“Igualzinho a cena do filme quando a amante vai procurá-lo no trabalho”. - pensou meio desorientado.
- O que você está fazendo aqui? –a voz de Cadu saiu meio agressiva.
- Você não ligou e por isso estou aqui. Precisamos conversar. Acho que o filme mexeu com nossa relação. O filme serviu para que eu refletisse que não passo de uma aventura. Não ofereço riscos a sua vida, não reclamo e lhe dou prazer. Mas eu existo, tenho meus sonhos e quero ser feliz plenamente; vim até aqui para deixar clara a minha posição. A forma como você se comportou ontem, me fez perceber que serei sempre a amante me contentando com as sobras e ninguém merece isso. Passe bem.  
- Por que essa agora? Nunca tivemos problemas. Mas, se preferir assim, tudo bem. Vamos parar por aqui, antes que alguém se machuque.
Falou meio sem pensar. Era melhor aproveitar a oportunidade e terminar logo, antes de um fim mais trágico. Mara continuou:  
- Ah! Ia me esquecendo. Deixei um presentinho para sua esposa. Ela merece por não me respeitar, ter feito “chacota” de mim. Vocês se merecem.
Saiu decepcionada, batendo a porta. Por um segundo, achou que Cadu fosse implorar para que não fosse embora, mas ele lhe pareceu aliviado.
Cadu não entendeu o porquê do comentário sobre a esposa, mas não era hora de pedir explicações, pois não queria deixar Mara nervosa. Livrara-se da amante possessiva e das ameaças de morte. Agora podia viver feliz com a esposa.
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Em casa, Lucy ouviu a campainha tocar, foi atender a porta e encontrou um pacote no chão. Não havia tempo para abri-lo agora. Precisava pensar em uma vingança. Nunca pensara em trair o marido, mas...
A gota d’água foi o telefonema que ela havia recebido de manhã e que, a princípio, não entendeu nada, mas depois concluiu que estava sendo traída  Há muito tempo desconfiava do marido, sempre soubera que ele não trabalhava aos sábados e mentia a ela. Agora tinha certeza: o marido tinha uma amante desequilibrada. De manhã, esta lhe havia telefonado e, sem lhe deixar falar, foi berrando:
- O fato de ser a mulher legítima, não lhe dá o direito de rir da minha cara. Aceita a traição de seu marido e ainda “pisoteia”. Você é uma filha da mãe. Eu sou a amante de seu marido. Você é a esposa, mas não tem dignidade alguma.
Lucy não respondeu às agressões. Afinal era uma mulher de classe, não era chegada a “dar barracos”. Desligou o telefone, mas sentiu que havia verdade naquelas palavras. Sentiu ódio do marido por colocá-la naquela situação. Agora queria vingança. O amor pelo marido se fora nos sábados e na indiferença dele. Pois bem, ela também teria um amante.
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Cadu foi para casa; estava preocupado. O que a amante teria lhe aprontado? Viu o pacote sobre a mesa, mas estava intacto. Abriu o pacote com receio, mas era uma fita gravada. Preparou-se para ouvi-la. A voz da amante tomou conta do ambiente.
-Vocês se merecem. Descobri que sou motivo de riso de ambos. O que posso dizer de uma esposa que sabe da traição do marido e, mesmo assim, aceita e compartilha dessa farsa? Saio de cena e pronta para viver uma nova história, enquanto vocês serão infelizes e dignos de pena.
Ele não entendeu nada do que Mara tinha dito na fita. Ela não conhecia Lucy. Tentou se comunicar com a esposa por telefone:
- Querida, estou cheio de novidades. Não vou mais trabalhar aos sábados. Hoje, vou tirar à tarde para ficar com você, quero curtir mais a minha esposinha.
-Desculpe meu amor, mas estou ocupada a tarde toda. Combinei um cinema com uma amiga. E quanto aos sábados, eu faço um curso sobre nutrição aos sábados.
-Tá bem. Depois a gente conversa pessoalmente.
Estava decepcionado. Agora que tinha os sábados livres, a mulher não podia estar com ele. Só lhe restava um cineminha fora de hora.
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Lucy chegara ao cinema com Alex, o rapaz que sempre a convidava para sair e ela sempre recusava. Agora não, era sua vez. Estava feliz como uma colegial.
- Que filme vamos assistir?
- Atração fatal.
De novo aquele filme, o responsável por estar ali, mas era apenas um filme...
As luzes já estavam apagadas quando Cadu chegou ao cinema. Estava tão preocupado com a conversa que teve com Lucy que nem olhou o nome do filme em cartaz.  Na tela, aparece o título do filme: “Atração Fatal”.
-NÃO....De novo o mesmo filme...

(baseado no filme "Atração fatal") 

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