domingo, 17 de fevereiro de 2013

Ainda é tempo de dizer adeus!


AINDA É TEMPO PRA DIZER ADEUS

            Nós nunca tínhamos perdido alguém tão próximo há muito tempo e não tínhamos noção da dor que é perder uma pessoa que é parte de você. Na verdade que é responsável diretamente pela sua vida. É um vazio, sensação de árvore arrancada do solo onde seus galhos ficam sem a seiva que vem da raiz. A seiva não pode mais ser retirada da terra e isso é como o oxigênio faltando aos nossos pulmões. Aí falta o ar. Falta o alimento da vida. E você morre um pouco também.
            Acho que todos nós experimentamos um pouco disso. Um de maneira diferente de outro: uns sem acreditar, sem querer olhar; outro chorando sem consolo. Mas a dor interior é a mesma. É o vazio, a falta de...
            E assim foi quando meu pai, Seu João, partiu... Nossa mãe, dona Lídia, parecia não acreditar porque ele nunca ficava doente. Ninguém acreditava que ele tinha acabado sua jornada na terra, mas tinha chegado sua hora.
            Quem foi Seu João, como carinhosamente era chamado? Um homem simples que muito jovem teve o encargo de sustentar sua família. Família esta que ia crescendo com o passar dos anos: esposa, dez filhos, 23 netos e 07 bisnetos e a eles se juntaram as noras, os genros, os netos casados com as netas e vice-versa. Esse número só aumentava. Era essa família enorme que lhe causava orgulho e todos eram bem recebidos em sua casa simples que teimava em não reformar. “Uma grande Família”.
            Era um homem de caráter. Não aceitava coisas que, em sua opinião, eram erradas. Ele nunca esperou recompensas porque entendia que fazer as coisas certas era o mínimo que alguém podia esperar. Quando mais jovem, teve um temperamento forte e uma teimosia exacerbada. Não gostava de ser contrariado. Exigia obediência dos filhos. As dificuldades da vida lhe tiraram a ternura. Quantas vezes choramos por não podermos viver a nossa história de adolescente. A falta de diálogo fazia parte de nosso dia a dia, mas com o tempo compreendemos que fazia parte da educação da época e era a forma que encontrou para disciplinar os filhos: os horários rígidos, o controle severo. Quantas vezes esta educação foi questionada por nós, mas nunca questionamos sua dignidade e o caráter.
            Havia também momentos de ternura e a vontade de nos proporcionar o melhor e de sermos os melhores. Durante sua vida a prioridade para o Seu João era a Escola. Sempre gostou de aprender e queria que seus filhos estudassem. Era a única chance de melhorar a vida e ter melhores possibilidades, não queria que os filhos passassem pelas dificuldades que passou. Ele aprendeu com a ajuda da mãe a ler e escrever e fazia contas como ninguém, embora tenha frequentado muito pouco os bancos escolares. Também aprendeu sozinho a dirigir caminhão e mais tarde, tornou-se um dos primeiros motorista de ônibus de sua cidade. Tudo que conseguiu na vida se deve ao seu esforço pessoal.  Ele queria mais, mas a labuta diária na criação dos filhos o impediu de seguir avante. Os sonhos se perderão na caminhada difícil e árdua. 
            Não sei quando aprendemos a admirá-lo. Só sei que em algum momento, nós crescemos, amadurecemos e nos deparamos com um Seu João menos intransigente que nos conquistou. Podemos dizer que o “divisor de águas” da vida do Seu João, foi sua aposentadoria, quando os filhos já crescidos e casados podiam seguir sozinhos e a ele cabia somente a tarefa de brincar com os netos. As divergências e questionamentos ficaram no passado, bem longe de suas e nossas lembranças e em seu lugar surgiu a doçura, o falar menos acelerado, o orgulho pelas nossas conquistas. Hoje, me atrevo a dizer que o seu João se realizou nos filhos. Com o passar dos anos, já convivendo com a velhice, tornou-se o avô dócil que tudo podia.
            Gostava de contar histórias e peripécias do tempo em que trabalhava como motorista. Foram trinta e cinco anos de trabalho. Quando os filhos já podiam trabalhar, essa responsabilidade era compartilhada. Por isso, todos aprenderam cedo a responsabilidade de ganhar o pão de cada dia.
            Seu João tinha suas manias: não frequentava a casa dos filhos, a não ser em ocasiões especiais e quando isso acontecia queria rapidamente ir embora. Não podia deixar a sua casa sozinha. Preferia que as comemorações fossem lá. Implicava com barulho, com a televisão, com coisas do cotidiano, mas era feliz. O amor pela dona Lídia  nossa mãe, se traduzia em olhares e gestos de ternura. Ela foi sua companheira, nos bons e maus momentos, sofreu com ele e por ele. Nunca o deixou sozinho e soube conservar seu casamento com humildade e resignação como as mulheres de antigamente. Do jeito deles, eles foram felizes, principalmente nas últimas décadas, quando o trabalho não mais lhes pesava nos ombros.
            Ele era feliz porque tinha a sua casa, a sua Família e, principalmente, Deus no coração. Era um homem religioso. Confiava em sua religião e foi nela que criou seus filhos. Já aposentado, foi ministro da Eucaristia. Era um homem de Fé e Confiança em DEUS e junto com Dona Lídia, nossa mãe, criaram seus filhos dentro dos princípios da Religião Católica. Gostava de comemorar seu aniversário e, principalmente, que houvesse missa. O Padre Vicente era seu amigo e por muitos anos compareceu a sua casa para a celebração. Para Seu João era uma honra. Ninguém precisava lhe dar presente, bastava à presença do padre e da família.
            É assim que queremos lembrar o Seu João. Sentado sonolento em uma cadeira olhando para a rua, brincando com os netos ou ansioso esperando o padre para celebrar a missa... Sorrindo para a vida.
            No último 04/7/2012, Seu João e a Dona Lídia completaram 68 anos de casados. Uma vida inteira dedicada um ao outro; juntos. Quantos têm o privilégio de ter pai e mãe comemorando tanto tempo de casados? Poucos. Nós tivemos; por isso nosso agradecimento a Deus. A Ele, nós agradecemos por deixar o Seu João tanto tempo junto de nossas vidas. Seu João tinha 88 anos de vida quando partiu.

            Nós o amamos porque ele foi o presente que Deus colocou em nosso caminho. Nosso pai João e nossa mãe Lídia foram responsáveis pelos adultos que nos tornamos. Eles plantaram a semente, embora as opções tenham sido nossas. Hoje, cada um segue seu próprio caminho de acordo com suas convicções e valores.
A saudade dói e as lágrimas ainda caem pelos rostos, mas temos a certeza de que Seu João está junto de Deus, pois ele acreditava na Vida Eterna. Creio que ele também está feliz de ver a família unida rezando por ele. Ele partiu, mas deixou exemplos que serão seguidos pelas novas gerações. Onde estiver, Seu João, olhe por nós!

Ainda é tempo de dizer ADEUS. Adeus pai! Adeus Avô! Com sua partida só nos restou a Saudade. Feliz daquele que deixa com sua ausência a saudade. Fique com Deus!

(Homenagem a um grande homem).

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