Sempre há uma esperança!
O período de
chuvas estava longe de acabar e as casas do morro, nas áreas de risco, a cada
instante se tornavam mais instáveis. Todos os órgãos competentes alertavam para
o perigo: Defesa Civil, Secretaria do Meio Ambiente e outros... A Defesa Civil
solicitou a saída dos moradores da favela, mas muitos não saíram. O medo
rondava cada rosto. Mas como sair do único lugar que tinham pra viver?
Judite também
era moradora da comunidade; era uma entre tantas a lamentar a cada chuva forte
que caia. O jeito era rezar e esperar que o pior não acontecesse. Tinha cinco
filhos e não tinha para onde ir.
Dia D –
Madrugada: 03 h :00 min. - Todos dormiam. A chuva não parava. De repente um
estrondo seguido de uma avalanche de barro e árvores desceu morro abaixo,
levando barracos e soterrando casas.
Judite
acordou com o barulho. As crianças choravam desesperadamente. O barraco não
fora destruído, mas a porta dos fundos fora obstruída por pedras que também
fecharam a saída pela frente. A água começou a entrar por entre os vãos da casa
e, sem saída, subia rapidamente dentro do barraco. Judite gritava por socorro.
Alguém, do lado de fora, falou em chamar ajuda. Os filhos foram colocados, por
ela, na cama e depois sobre a mesa. O ar estava ficando irrespirável. A água já
estava atingindo a cama.
Os minutos
passavam com uma rapidez impressionante. Agora, Judite pedia a ajuda Divina.
Pedia para que as crianças rezassem com ela; Jesus, com certeza, atenderia aos
apelos infantis. As crianças, estranhamente, pararam de chorar. O tempo não
passava. Quanto tempo estava ali, sem saber o que fazer?
Os pensamentos de Judite voaram para o passado, quando ainda não morava no
morro e na mudança repentina de vida pela qual passou com sua família. Uma
forma desesperada de sair de uma vida intolerável. O marido alcoólatra, os
pequenos sem comida, a luta desesperada pela sobrevivência. Deixou a pequena
casa onde morava em uma noite em que o marido lhe espancara na frente das
crianças. Deu queixa na polícia e ela foi encaminhada para a Delegacia da
Mulher; receberia a proteção da “Lei Maria da Penha”.
Resolveu não voltar para casa. Sentia medo do pior. Sem endereço, vagou
pelas ruas com os cinco filhos: um no colo do maior, outro no seu próprio colo
e dois sendo puxados pelas mãos de um ou de outro. Os olhos da mãe tinham que
estar atentos: ora olhava um, ora outro; até encontrar um esconderijo junto a
uma marquise. Foi lá que a família passou a noite.
-Filhos, não
chorem. Amanhã arrumamos um lugar para nós.
O povo
brasileiro é muito bom e solidário. Nem bem tinha se instalado em pedaços de
papelões e um casal, penalizado, lhes trouxe o que comer.
“Deus existe”
- pensou Judite. - “Pelo menos de fome, eles não morrerão”.
Judite
agradeceu muito a solidariedade do casal e, no dia seguinte já estava
trabalhando como “faxineira” na casa dos benfeitores. Até as crianças puderam
ficar na casa, até arrumarem outro lugar para morar e quando isso aconteceu, os
patrões lhes deram um dinheiro para o primeiro mês de aluguel em troca dos
serviços de Judite durante o mês.
Aline e
Carlos eram seus benfeitores; não eram ricos, mas viviam com conforto. Ambos
trabalhavam: Aline como professora, Carlos como mecânico. Aline ainda arrumou
creche e escola para os meninos para que Judite pudesse trabalhar. Foi aí que
Judite voltou a acreditar que o mundo era bom.
Salvo os dias
em que fora chamada pelo Juiz, Judite nunca mais viu o marido. Ele deixou a
casa que era alugada e nunca mais foi visto. As crianças nunca perguntavam pelo
pai, traumatizados pela cena em que viveram.
“Melhor
assim”. – refletia Judite. – “Tem gente que não merece ser chamado de pai”.
E a vida
seguia seu curso rotineiro. Havia dois anos da separação do casal. Dois anos de
felicidade. Sim, era possível ser feliz em um barraco e sendo ajudada por
pessoas bondosas.
Julinho, o
mais velho, já estava com doze anos, Fernando com dez, Clara com oito, a
pequena Rose com seis e Ricardo com quatro. Era muito bom ver a família toda
reunida no domingo. À tarde, depois do almoço, as crianças desciam por entre as
vielas sentados em papelões ou empinavam pipas. Judite prestava atenção em
tudo: nos meninos e na televisão usada, comprada com muito custo.
Nestes dois
anos já presenciara chuva forte, mas nada que abalasse os alicerces do morro. E
agora, em pleno fim de semana, acontecia a tragédia.
Rumores de
vozes, ao longe, começaram a ficar mais forte. Judite volta ao presente. A
ajuda finalmente chegara. Os bombeiros pedem que as pessoas soterradas gritem
alto para que possam se orientar pelas vozes. Elas gritam e agradecem a Deus.
Dentro do
barraco, o ar parece faltar. De repente um som mais forte e, aos poucos, um
pequeno orifício na parede da sala onde Judite está, aparece. Aos poucos, um
buraco fica maior e uma mão é estendida. É a mão da vida, a mão da
solidariedade! O filho menor, Ricardo, é o primeiro a sair, seguido por Clara,
Rose, Fernando e Julinho. A mãe fica por último e ajuda os filhos a sair
daquela catacumba. Fora alguns arranhões todos estão bem e salvos; o mesmo
acontece com tantos outros soterrados, mas há também os que choram seus mortos.
Não há sol,
são os pingos da chuva que os acolhem do outro lado, mas há felicidade nos
olhos dos bombeiros e das pessoas que choram ao ver o milagre da vida
novamente. E todos aplaudem: aplaudem os bombeiros; aplaudem a vida. Judite
tenta consolar a vizinha que perdeu entes queridos. Mas, a dor é
intransferível. Não há consolo! Os sobreviventes são levados para abrigos em
escolas e estádios. É para lá que Judite e os filhos são levados.
É lá que ela se
depara com mais um milagre. Uma legião de pessoas que entram e saem carregando
mantimentos, colchões e roupas. Uma verdadeira romaria da solidariedade! O
sorriso em cada rosto mostra que todos estão felizes, contentes em fazer o bem.
São voluntários e trabalhadores que, de repente, compreenderam a verdadeira
Fraternidade. É o próximo que se comove
com o semelhante. É a Cruzada do Amor. São os Filhos de Deus!
A que chamado,
eles atenderam? Ao chamado do coração, ao chamado do amor. Entre os voluntários
estão Aline e Carlos. Judite, agora, sorri. Nada está perdido. Sempre é hora de
recomeçar e acreditar.
É tarde e o
arco-íris no céu festeja a aliança de Deus com os homens. O sol vai sorrir
amanhã. A vida volta à rotina de sempre, mas nada será como antes.
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