Terra do Sol Nascente
Voltar
à terra natal! Depois de tanto tempo, vencer o medo e recomeçar. Os vestígios
da tragédia ainda estão visíveis: algumas casas destruídas; os parques ainda
inacabados... Tudo foi modificado, as histórias de vida estão sepultadas em
ferragens distorcidas e entulhos já retirados para algum depósito frio e mal
cheiroso. Não há mais recordações reais: fotografias, jornais antigos, quadros;
as recordações estão somente nos corações dos que sobreviveram à tragédia.
Hoje,
somente recordações do dia do trágico acontecimento: o dia que o tsunami
destruiu mais que lembranças: destruiu sonhos e projetos de vida.
Okabe é um sobrevivente. Estava trabalhando no
dia em que o mar revolto mostrou toda sua força e fúria da Natureza. Conseguiu
sobreviver com a ajuda de amigos, mas sua família, que estava em casa, não teve
a mesma sorte. Perdeu mulher e dois filhos, além dos pais. Todos moravam em uma
das províncias mais devastada pelo tsunami: Miyagi, nordeste do País e onde
morreram mais de nove mil e quinhentas pessoas.
Recordou
o dia em que um terremoto abalou a província. Foram minutos que pareceram
horas. O alarme contra terremotos soou minutos antes de tudo tremer. Passavam
das duas horas e quarenta minutos. Foi a última vez que olhou para o relógio
antes da tragédia, por isso não sabe bem precisar o tempo. Estava trabalhando
em sua loja e saiu assustado pelas ruas, queria chegar logo em casa, precisava
encontrar sua família. Mas, o pior ainda estava por vir. O terremoto produziu
ondas gigantes que com fúria invadiu casas e destruiu vidas. Ele é um
sobrevivente: do terremoto, do tsunami, da vida.
Agora
é preciso colar os cacos, procurar recordações na memória e torná-las reais. A
sua casa ou o lugar onde morou ainda conserva os entulhos da tragédia. Nunca
mais voltou ali depois que encontraram os corpos de seus familiares. Esse dia
ele quer esquecer, ou melhor, já esqueceu. Há vazios em seu cérebro que por
mais que tente não consegue recordar. Só lembra que não conseguiu chorar, o
tsunami varreu também recordações de sua mente.
Agora
quis voltar. Quer vasculhar o que resta na ilusão de encontrar algo que o torne
parte do mundo atual. O passado se foi, mas o futuro está a sua frente, ele tem
que caminhar, não pode morrer junto com os destroços do passado. Tem que viver
para lutar pelo que se sempre acreditou: A gente nasce para ser feliz.
Sempre
repetiu essas palavras aos filhos, à esposa a si mesmo. Isso ele recorda muito
bem, era seu lema. Seu grito de guerra: Felicidade sempre. Agora, as palavras
deixaram de ter sentido, ficaram mudas diante da tragédia. Ele se emudeceu. Há
muito não fala. Repete as palavras que a necessidade do dia a dia lhe pede, mas
transformou-se em um robô. Um ser sem alma, sem vida.
Senta-se
na calçada e chora pela primeira vez e isso lhe faz muito bem. Ouve ao longe
uma voz infantil:
-
Ei moço! Está chorando?
Olha
impaciente a pessoa que o indaga:
-Não.
O que você faz aqui?
-Vim
com minha mãe.
A
mãe chega pedindo desculpas pela filha. Ela sorri e é o primeiro sorriso que
ele viu depois de muito tempo.
-
Ioshi é muito intrometida. Me desculpa.
Sempre morei aqui, mas estava viajando quando tudo aconteceu. Perdi muitos
parentes, mas a vida continua.
Okabe
não acredita no que vê. Aquela mulher está feliz, sorrindo diante dele, talvez
rindo de sua tragédia.
-
Esta era minha casa. Perdi toda minha família. – diz meio sem graça.
-
Mas está vivo. Por alguma razão continua vivo. -observa a moça.
-Para
ser penalizado. Não há razão para continuar vivo. – responde.
-
Poderia me acompanhar? Quero lhe mostrar algo. –insiste a mulher.
Ele
não quer, mas a segue. Há tempos que se deixa levar sem resistência.
A
moça entra em um carro e ele a acompanha. Pelo caminho Okabe observa que tudo
está sendo reconstruído: ruas, avenidas, casas. Um imenso “canteiro de obras”
que só o povo japonês é capaz de reconstruir em tão pouco tempo. Ele se orgulha
de ser japonês, mas até agora não sentiu vontade de se reconstruir.
Vão
para Tóquio e o carro pára em frente a uma casa onde se lê: Lar das crianças.
Ioshi salta animada:
-Venha
ver tio. Esta é minha casa. Venha ver meus irmãos. Tenho muitos irmãos e muitos
pais e mães.
Ele
é rodeado por crianças alegres e felizes. A moça que o levou se chama Mitiko e
lhe diz que se trata de um abrigo para crianças que perderam os pais e
familiares na tragédia. Crianças que precisam acreditar novamente na vida.
Okabe pensa nos filhos, na esposa e se sente em paz. Foram eles, seus
filhos, que lhe guiaram os passos.
-
Aqui você encontra motivo para sorrir. Eles nos ajudam e nós os ajudamos. Quer
experimentar?
Aos
poucos, contagiado pela barulheira infantil e farta distribuição de sorrisos, Okabe
sorri.
Terremotos,
tsunamis, tragédias ficaram guardados no passado. Infelizmente, tragédia é
lugar comum no mundo todo. Todas as Nações contabilizam desgraças anunciadas ou
não; elas são destaques no cotidiano das manchetes de jornais do mundo todo.
São inevitáveis. Mas, Ioshi estava ali
para mostrar que sempre há um motivo para continuar.
Para
Okabe era hora de recomeço. Muitos precisavam dele e ele precisava muito de
todos.
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