quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Minha mercedes


Minha Mercedes!

          Advogado, bem sucedido, Dr. Celso se orgulhava em ter vencido na vida a custo de muito trabalho e dedicação. Esse legado sempre foi seu orgulho e transmitia aos três filhos e a esposa Vânia que trabalhava como administradora de um laboratório farmacêutico.
Dr. Celso sempre fora um homem zeloso com a formação dos filhos. Desde cedo direcionara o futuro dos filhos para os estudos: queria-os formado e bem empregado. O dinheiro ganho com o trabalho era sagrado e merecia ser bem gasto. Valendo-se de anos de experiência ensinava a família a não gastar desnecessariamente, poupar sempre que possível e empregar em bens imóveis. Mas, tinha uma ressalva para a compra de carros:  
-NUNCA, em hipótese nenhuma, comprem um carro usado. Carro usado é problema! Guarde dinheiro até conseguir comprar um zero quilômetro.
E, assim, os filhos seguiram os ensinamentos paternos. O carro podia ser simples, mas sempre zero quilômetro.
Qual não foi a surpresa de todos quando, um dia, após o almoço, Dr. Celso chega em casa com uma Mercedes maravilhosa, verde escura, metálica, conversível, mas de SEGUNDA MÃO.
A esposa ficou indignada e os filhos, embora tenham achado o carro maravilhoso, também ficaram decepcionados:
-Pai, você sempre nos falou que não devemos comprar carro usado e agora... Onde ficam seus ensinamentos?
- Mas esta é uma Mercedes! Mercedes não é carro. É patrimônio! E depois, foi uma pechincha!
A esposa Vânia quis logo saber de quanto era a pechincha. Dr. Celso respondeu meio sem graça:   
- Trinta e oito mil. Mas vale muito mais. Tá de graça!
A família resolveu não fazer juízo de valor. Não era hora. Vânia sentenciou:
-Cada cabeça, sua sentença!
Praga de mulher tem poder. Passada a euforia da compra,  o carro começou a dar problema. Quebra daqui, quebra dali! E a demora e o custo das peças deixavam Dr. Celso desolado.
Os meses foram passando e Dr. Celso se decepcionando. O carro ficava mais parado do que andando. Resolveu vendê-lo, mas o preço que a concessionária queria pagar era muito inferior ao que desembolsara pelo carro.
- O máximo para compra é dezenove mil. – disse o vendedor com desdém. - É um carro importado e as peças são muito caras.
- Por esse preço, fico com o carro! – dizia irritado.
Naquele dia, Dr. Celso estava desanimado. Não vendera o carro e ainda teria de aguentar a família tripudiando em cima dele. “Tudo que está ruim pode ficar pior”- pensou desolado. Sábios pensamentos!
No meio do percurso para sua casa, o sinal fechou e um sujeito bateu em seu vidro. Dr. Celso não conseguia entender o que estava acontecendo. O homem gritava alguma coisa que ele não conseguia entender.
“Estou sendo assaltado”- pensou com seus botões. Mas, não se desesperou. O carro era blindado e ele não abriria o vidro. Quando o sinal abrisse, sairia em disparada. Mas, outro rapaz bateu do outro lado do vidro. Dr.Celso gelou. Pensou estar sendo assaltado por uma gangue. Nem olhou para os “marginais”.
Um dos rapazes, percebendo que Dr.Celso não olhava para eles, pulou na frente do carro. E, sem alternativa, ele decifrou o que o homem lhe dizia:
-Fogo! Seu carro está pegando fogo!
Só agora, ele notava que uma fina fumaça estava saindo do motor do veículo. Ele abriu a porta imediatamente:
-Desculpe, eu não entendi o que vocês diziam.
-O senhor tem extintor? Vou pegar também de outros carros. - gritou o rapaz aflito.
-Tenho, mas não olhei se não está vencido.
Por um momento, Dr.Celso pensou em acudir rapidamente seu patrimônio, mas, logo depois, lembrou do seguro. Se o carro desse “PT” (perda total), o seguro arcaria com o preço que ele comprou.
Não aquele carro não merecia ser salvo.  Gritou para os rapazes:
- Me ajudem a desocupar o porta-malas. Eu chamo os bombeiros!
O porta-malas estava lotado de engradados de cerveja. Isto sim era material que não poderia ser consumido pelo fogo. Enquanto os rapazes retiravam os engradados do carro, calmamente, o Dr.Celso chamava um táxi. Sim, um táxi para levar os engradados e seus documentos para sua casa. Depois ainda telefonou para a sua empregada:
- Maria, vai chegar um táxi com umas coisas minhas. Receba, por favor! Pode deixar na garagem.
A esta altura a fumaça estava alta. Foi aberto o capô e o fogo já se alastrara. Dr. Celso estava calmo e, em silêncio, rezava para que o carro queimasse totalmente. “Meu Deus, faça com que os bombeiros demorem um pouco mais!”.
Uma multidão se aglomerou em volta e algumas pessoas tentavam inutilmente conter as chamas, inclusive os dois rapazes. Barulhos de sirenes anunciavam a presença dos bombeiros, mas não havia mais tempo. O carro estava perdido! Dr. Celso fazia cara de quem sofria com a perda.
-Acabei de comprá-lo. Fui enganado! Agora só me resta chorar.
Sentou na calçada e pôs a mão no rosto. A multidão foi se dissipando. Passavam por ele e diziam palavras amigas. Os dois rapazes, todos sujos, foram os últimos; um deles falou:
-Fizemos o possível, mas não deu. Sinto muito, doutor.
Dr. Celso se sentiu mal. Tinha uma dívida de gratidão com os dois. Eles salvaram sua vida.
- Vamos tomar umas cervejas para afogar as mágoas. Vocês merecem!  
O bar era convidativo. A cerveja estava gelada. Os tira-gostos estavam deliciosos e a tarde estava maravilhosa! 

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