A VITÓRIA DO BARRIL
Eu, grilo
pensante, já andei por todos os cantos onde as minhas pequenas pernas podem
alcançar. Peguei caronas em tudo que foi meio de transporte, pois confesso que
adoro viajar. Andar pelo interior de São
Paulo é vislumbrar um novo Brasil, feito de gente simples e hospitaleira. É
conhecer os recantos esquecidos, perdidos na história de um povo onde a cobiça
e a ganância ainda não corromperam a alma singela, o linguajar diferenciado e a
vida sem muitas perspectivas. São lugares com poucos jovens; estes procuram nas
cidades grandes, melhores condições de vida, mas, para os antigos habitantes é
onde reside a verdadeira felicidade.
Foi aí que
conheci o Didi, um professor e teatrólogo que tem na pacata cidadezinha chamada
Natividade um refúgio, uma aconchegante casa de
campo, com lindos jardins, forno e fogão à lenha, deliciosas espreguiçadeiras,
e sempre uma boa musica, para escapar do agito da cidade grande. É ali
que ele reúne amigos que vêm de diferentes cidades, pelo menos duas vezes por
ano, confraternizando e sedimentando laços de amizade que nem a distância
consegue apagar. São casais que se conhecem há muito tempo e nutrem entre si
sentimentos de respeito e fraternidade. São os amigos do peito; amigos do
coração.
A história
que vou contar é verdadeira. Aconteceu nessa cidadezinha, na casa do amigo
Didi. Seu amigo Betão fazia aniversário e como estava estudando para Concurso
Público, não queria festa naquele ano. Betão é muito festeiro e como tem muitos
amigos, adora reuni-los para “uma boa prosa” regada a música, churrasco e
cervejas. Mas, aquele ano seria diferente, ele ia fazer um retiro para estudos,
por isso aceitou o convite do amigo para passar uns dias em sua casa de campo.
Didi não se conformava com esse retiro de
jeito nenhum. Afinal, era o dia do aniversário do Betão, que é um irmão para
ele. Por conta própria, resolveu chamar os amigos mais chegados, mas que não
eram poucos. Encomendou um barril de chopes e pediu a outro casal de amigos
para fazer uma peixada. Tudo feito “em surdina”, sem a permissão do Betão.
Quando a
noite chegou, o Betão chegou com a esposa e os livros. Refugiou-se em seu
quarto, que fica em uma edícula, longe da casa principal, e disse que não
queria ser incomodado; o que foi bom porque possibilitou o andamento da festa.
No dia seguinte, os convidados foram chegando
e o retiro do Betão foi ficando para trás. No início, ele não gostou, mas logo
estava deixando os livros de lado e partindo para os abraços.
A peixada
ficou uma delícia e o número de convidados só aumentava. O interessante é que o
chope não acabava, pois muitos trouxeram cervejas, vinhos... O almoço virou
também jantar: uns saiam para cochilar, outros se levantavam pra comer, e assim
foi até o final do dia. Não se sabe o que acontecia com o danado do barril; o
chope não acabava. O pessoal já estava ficando bêbado ou “alcoolicamente
satisfeito”, se preferirem, e nada do barril acabar.
O Joca,
compadre do Betão, é um sujeito muito querido por todos e amigo do peito e de
cerveja. Não troca a cerveja por nada. Não há festa que ele não saia carregado,
mas, neste dia, ele estava nervoso:
- “Cumpadre”- dizia ao amigo- o chope não acaba. Não sei o que está
acontecendo, não consigo terminar com o barril.
- É “cumpadre”, você não é mais o mesmo. Foi-se o tempo que você era bom
nisso, acabava com tudo que é barril.
A festa já estava acabando e os últimos sobreviventes foram dormir.
-Cadê o Joca? –perguntou o Didi
-Ele foi amparado pro quarto pela patroa dele, completamente “Trebado”. -
disse o Betão.
Eu, o grilo pensante, assistia a
tudo inconformado. Como é possível os humanos beberem tanto. Tudo é motivo para
beber. Se soubessem o quanto ficam engraçados e até ridículos bêbados, quem
sabe se comportassem melhor. É por isso que não bebo. Mas, cada um na sua e,
neste caso, é perdoável, pois o motivo da festa era a amizade de cada um pelo
Betão.
Mas, o dia seguinte era domingo e prometia. O ritual da casa é sempre o
mesmo: depois de um café da manhã “de primeira”, daqueles cinco estrelas e que
não fica devendo nada para os melhores hotéis do Brasil, tem a tradicional
caminhada até a represa e, nesse dia, não foi diferente, mas o Joca estava
inquieto:
-Betão, o que o povo vai falar?
Vamos ficar desmoralizados. Não conseguimos terminar com um barril de chope.
Isso é uma tragédia!
O Betão não queria beber naquele dia, pois ia dirigir na volta pra casa,
aliás, ninguém queria beber mais nada:
-Deixa compadre. O Didi devolve o barril assim...
Inconformado, o Joca resolveu terminar sozinho com o barril, pois a mulher
podia trazer o carro na volta. Quando ele bebe demais em alguma festa, é ela
que dirige na volta. Na verdade, ela vive dirigindo para ele. Mas aquele dia
era especial, era a sua honra que estava em jogo. Joca voltou da
caminhada disposto a terminar com o barril.
Após o almoço, todos foram embora.
Só permaneceram a família do Joca e a do Didi, que ficou ajeitando as coisas. E
eu ali olhando... O Joca bebeu desde a volta da caminhada e durante todo o
almoço, mas o barril resistia.
Ficamos no rancho, apenas o Didi e
eu e, por isso, fomos testemunhas oculares do que aconteceu. O Didi estava
entretido com a arrumação de algumas pendências e eu, grilo pensante, já tirava
a minha sesta, quando um barulho chamou nossa atenção.
Foi então que vimos o Joca, abraçado ao barril, totalmente embriagado discutindo com o barril! O monólogo era surpreendente:
- Agora, meu chapa, “somos só nóis dois”
e vamos ver quem é que manda. Ou acabo com você ou você acaba comigo.
A cena era absurda, digna das melhores comédias. O Didi se “rachava” de rir.
Querem saber quem ganhou? Adivinhem. Pois é...,
foi o glorioso barril. Acabado, desmoralizado, o Joca foi conduzido ao veículo
e seguiu viagem para a sua residência, com a sua mulher ao volante, também
rindo muito. Ao Didi restou devolver o vitorioso barril ainda com chope.
Os humanos realmente são pessoas extraordinárias. Aprendo sempre com eles
e desse encontro aprendi que amizade “não tem preço”. Os verdadeiros amigos
estão sempre prontos a nos proporcionar momentos inesquecíveis. Até a próxima.
Fui!
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