“Virado pra
lua”
Sou
supersticioso sim; convicto! Levanto com o pé direito, não passo embaixo de uma
escada e acredito em mau olhado. Tenho um trevo de quatro folhas na carteira e
um galhinho de arruda atrás da orelha. No reveillon, como lentilha e romã, me
visto de branco e pulo sete ondas, peço a proteção dos orixás e não me esqueço
das flores de Iemanjá. Fico nervoso quando um gato preto atravessa o meu
caminho e outras crendices tantas que a minha mente possa absorver.
Imaginem
então como fiquei quando, nas compras de Natal, na Rua Vinte e Cinco de Março em São Paulo , (lugar de
comércio gigantesco que recebe milhões de pessoas passando apressadas e com um
barulho ensurdecedor de lojistas gritando as promoções do dia) fui abordado por
um estranho sujeito barbudo, com cabelos compridos e vestindo túnica encardida
e com um cajado na mão que dizia aos berros:
- O mundo vai acabar na passagem do ano. Se arrependam!
Levei um susto quando vi aquela aparição. Instintivamente, puxei a
mão.
- Sai pra lá.
– falei sem pensar.
Empurrei-o
sem pretender derrubá-lo, mas isto fez com que ele perdesse o equilíbrio e
caísse na minha frente. O profeta me lançou um olhar raivoso e me disse aos
berros:
- O mundo vai acabar e você não será poupado!
Senti minhas pernas bambas, pois acreditei piamente em suas palavras. Fui
para o hotel onde me hospedara, tomei um banho frio e um comprimido para
aliviar minha cabeça. Dormi, mas a imagem do profeta teimava em aparecer em meu
sonho, ou pesadelo: a sua túnica encardida, seu cajado e sua profecia. Era
minha sentença de morte! Muitos se salvariam, mas eu não estaria entre eles.
Acordei horas depois e parecia que estava com uma ressaca monstruosa. Só
podia ser praga do profeta. Será que tudo não havia passado de um sonho?
Resolvi voltar ao calçadão e tirar a limpo aquele mistério; procurar o
profeta e olhar firme em seus olhos. Ele estava lá. Eu o vi circulando entre as
pessoas, segurando em suas mãos o cajado e berrando:
- Se arrependam! O mundo vai acabar! Somente os justos sobreviverão!
Não tive
coragem de me aproximar, pois estava marcado para morrer, mas não estava
preparado. Eu era muito jovem, tinha o mundo pela frente. Era sócio de uma
empresa que passava por dificuldades, mas eu lutava bravamente para sair do
vermelho. Meu sócio queria comprar a minha parte na sociedade e por isso não me
ajudava em nada. Mas ,
agora, nada mais fazia sentido: a minha luta para salvar a empresa, a minha
vontade de progredir, conhecer pessoas novas, constituir família... O que fazer
nestes últimos dias de existência?
O jeito era vender minha parte na empresa e viver os últimos dias que
me restavam. Liguei para meu sócio:
- Se você ainda quer comprar a minha parte, eu lhe vendo. Estou
precisando, urgentemente, de dinheiro. Pode estipular um preço e vamos fazer
negócio. Mas preciso do dinheiro já.
- É claro que
estou interessado. Mas, o que aconteceu? Ainda não fechou o ano... –falou meio incrédulo, mas estava contente
com a notícia.
- Estou com problemas de saúde. Preciso me tratar.
Vocês não imaginam a cara de satisfação dele quando fui assinar a
documentação e pegar o dinheiro. Levei
do escritório apenas meus objetos pessoais: o vaso com sete plantas, um vaso de
pimentinha e algumas fotos. Retirei o sal grosso que deixava atrás da porta, acendi
incenso como meu último ato.
Decidi não pagar contas naquele mês, inclusive o plano de saúde, pois
com a morte me batendo à porta, seria um dinheiro jogado fora. As contas da
empresa para o pagamento de funcionário, décimo terceiro e outras mais ficariam
para meu sócio, dentro do nosso acordo de divisão dos lucros.
Com dinheiro nas mãos, minha primeira decisão foi trocar meu carro por
um novo. Finalmente, o carro de meus sonhos. Claro que pagaria somente a
entrada; morto não paga mensalidades.
- Por favor,
gostaria de trocar de carro. - disse ao gerente da concessionária.
- Em que
modelo está pensando?
-Uma
Mercedes. Aquela azul metálica. É a cor da sorte.
- Muito bom.
Vou fazer um precinho bem camarada. A vista ou financiado?
- Financiado.
- A entrada
ficará um pouco salgada.
- Não tem
importância.
Sai da
concessionária de carro novo e seis anos de prestações. Em caso de
inadimplência, o carro seria devolvido à loja, sem prejuízo a ninguém. Isso se
houvesse loja... Arranquei-me com o carro e me senti dono do mundo.
-A vida é
boa, quando se tem dinheiro e tempo para gastá-lo. –gritei.
Eu precisava
muito de dinheiro, pois sabia que não sobreviveria ao juizo final. O jeito era
aproveitar o tempo que me restava. Resolvi vender meu apartamento e morar de aluguel.
Visitei algumas imobiliárias e, em menos de uma semana, meu apartamento estava
vendido. Confesso que perdi dinheiro no negócio, mas não podia esperar. Aluguei um flat para morar.
-Vou viver como um nababo. Ninguém me segura. -disse
feliz.
Na ânsia de viver intensamente, quase não
dormia. Eu ia ter tempo para dormir depois de minha morte “ETERNAMENTE”. Assim,
passaram-se os dias. O calendário me alertou que faltavam apenas dois dias para
o meu fim. Resolvi procurar o profeta e implorar pela minha vida.
Voltei a São
Paulo, para o calçadão da Vinte e Cinco de Março. O profeta estava lá, parecia
mais sujo e nada agradável:
-Moço, moço,
eu preciso falar com você. –gritei assim que o vi.
Ele se
assustou com os meus gritos e correu na direção da rua. Não viu o carro que
atravessava a avenida. Eu corri para salvá-lo, pois ele não podia morrer sem
desfazer o que me disse. Agarrei-o e rolamos no asfalto. O carro nem parou. Graças
a Deus, saímos ilesos.
Por alguns
instantes duvidei que eu estivesse vivo. Alguém me chamou:
-Moço, você é
um herói. Salvou o profeta.
-Você vai
viver muitos anos e será muito rico e feliz. – disse o profeta agradecido.
A multidão me
aplaudiu e ele aproveitou a confusão para desaparecer do local.
Eu não me
sentia um herói, mas muito feliz por salvar o profeta e porque, de certa forma,
salvei minha vida. Sentia-me como um adolescente que ganhou um presente. Eu
salvei a mim mesmo.
O reveillon
do ano 2000 chegou. Como de costume, desci a serra em direção ao litoral.
Fiquei hospedado em um hotel de luxo e não me importei com o preço. Estava
diante de uma realidade: o Fim dos Tempos. Os fogos ofuscavam o brilho das
estrelas e eu olhando para todo aquele espetáculo! Fiquei apreensivo, pois a chuva de fogos
pareciam estrelas cadentes que derretiam a terra, mas nada aconteceu. Acho que
o profeta ficara tão agradecido por eu ter salvado sua vida que conseguiu mudar
a data do Fim do Mundo!
Feliz, pulei
as sete ondas, comi lentilhas, distribui e recebi mensagens de um ano
maravilhoso e não me esqueci das flores de Iemanjá.
No dia
seguinte, veio a ressaca costumeira e a nova realidade bateu a minha porta. Como
saldar minhas dívidas, agora que continuaria vivo?
O jeito foi
vender o carro e passar a dívida. Precisava procurar novo emprego e a pé, mas como
engordei muito nestes últimos dias, será um bom exercício. Também corro o risco
de ficar sem luz ou água, mas estou feliz, pois tenho a garantia profética que
não morrerei e serei rico.
Sei que o
futuro da humanidade a Deus pertence! Quanto ao meu futuro, espero que seja
grandioso, mas não custa ficar atento e fazer o que estiver ao meu alcance para
que isso aconteça. Ouso dizer que “nasci com o bumbum virado pra lua” por haver
salvo um profeta que mudou o meu destino.
Ah! Esqueci
de dizer meu nome: Benvindo Fortuna, as suas ordens!
me senti como o narrador da própria história....todo ano é assim...novo novo, vida nova...e o que muda são nossos pensamentos...ainda bem!
ResponderExcluirÉ a oportunidade que temos de nos renovarmos a cada ano. Obrigado por me prestigiar. Bjs.
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