LIBERDADE...
Liberdade
existe ou é só utopia? André sempre questionou essa pergunta. Quando criança,
queria ser livre para correr, pisar na grama, rolar barranco, voltar para casa
sujo de lama. Não podia. A mãe não permitia e se teimasse era com o pai o acerto
de contas. E que acerto... A cinta, estrategicamente pendurada no "hall" de
entrada da casa, assustava. E diziam que era para sua educação! Naqueles dias, sentia raiva dos pais, mas
bastava um carinho para esquecer seus planos de vingança. Quantas vezes, ele
pensou em sair de casa, mas o medo do escuro, do desconhecido e de ficar longe
da mãe o fazia mudar de ideia.
Thiago, amigo inseparável de
André, fora criado solto brincando nas ruas do bairro. O campinho de futebol
era o espaço que o fazia feliz. Consolava o amigo nos seus infortúnios e convencia
os pais dele a liberá-lo para a “pelada” nos fins de tarde.
Assim, a infância de ambos transcorreu tranquila: um sempre ao lado do
outro. É certo que André desenvolveu um sentimento de vítima e tudo parecia
mais negro do que realmente era. Esse
sentimento o afastava dos amigos mais próximos. Thiago era o único que não o
abandonava.
A primeira
vez que André tomou conhecimento da palavra “Liberdade” foi na escola em uma
aula de História. A professora falou do quanto que os negros sofriam com as
torturas e pelos sonhos de liberdade presos na garganta. André se viu um deles,
ele também recebia a cinta como castigo. Naquela noite, André rezou pela
princesa Isabel, a Redentora, e desejou que ela também lhe trouxesse a
liberdade sonhada pelos negros. Na sua visão de menino, a sua casa era a
senzala, a cinta suas algemas. A partir
daquela data, aguentou qualquer castigo heroicamente, sem choro.
André foi
crescendo e a cinta foi aposentada. Era hora de agradecer à Princesa Isabel
pela libertação. Os grilhões tinham desaparecidos. Fora atendido em suas
súplicas.
O tempo
passou e André se tornou um adolescente que despertava o olhar de admiração das
meninas da escola; a todas desprezava. Mas, quando Patrícia apareceu, suas
pretensões foram “pelos ares”. Sentia-se nas nuvens ao pensar na amada, mas
jamais admitiu a atração mais forte. Thiago também se interessou por Patrícia
e, para desespero de André, ela correspondia. Decidiu que Thiago jamais saberia
de seus sentimentos e até encorajou-o a namorá-la. Sofreu em silêncio e “curtiu
sua fossa”, sozinho. Aos poucos, afastou-se do amigo.
O tempo passou e a ideia de ser totalmente livre, não lhe saia da
cabeça. Tornou-se um profissional responsável, bem sucedido, que despertava
admiração das mulheres. Comprou um apartamento e deixou a casa dos pais. Não
sentiu remorsos nem saudades, as lembranças da infância estavam vivas em sua
memória. Profissionalmente, viajou para o mundo todo, mas sentimentalmente não
queria amarras, nada de vínculos sólidos. Finalmente, era livre!
O tempo foi passando, as rugas aparecendo e a indesejada aposentadoria
surgiu como única alternativa ao corpo cansado. Foi morar no campo, respirar ar
puro e viver sua liberdade. Foi nesse sossego bucólico que as imagens de Thiago
e Patrícia voltaram às suas lembranças. Nunca mais tivera um contato com Thiago,
soube por conhecidos que ele e Patrícia se casaram, tiveram dois filhos, mas André
questionava que fossem felizes. Para ele, a felicidade estava ligada a
liberdade e preso às algemas do casamento, Thiago nunca seria livre.
Aposentado, sem herdeiros e sem dívidas, André
se considerava uma pessoa feliz e livre. Por que, então, o passado o
incomodava? Os nomes Patrícia e Thiago rondavam seus dias e isso o angustiava. Havia
um vazio em seu coração, algo não resolvido pelo tempo.
Enquanto
caminhava pelos campos, percebeu que o outono chegara. A paisagem estava
perdendo o viço. Assim também se sentia: irremediavelmente só. Percebeu-se solitário,
infeliz e preso ao passado. Saudades de Patrícia! Era preciso voltar onde ficou
a sua felicidade e lutar pelo seu amor. Seu coração batia acelerado na
possibilidade de encontrá-la. Era preciso retornar.
Foi ela quem
abriu a porta da casa. André se emudeceu. Aquela mulher não era a Patrícia de
seus sonhos. Custou para encontrar no rosto dela, os traços que tanto amara no
passado. A sua Patrícia tinha o viço da primavera e não o cheiro do outono. Ele
estava apaixonado pela lembrança do passado e de certa forma decepcionado. Percebeu,
finalmente, que aquela era a Patrícia de Thiago, não a que ele amava. Não
conseguiu falar e ela sorrindo chamou o marido:
- Thiago... Thiago. Veja quem chegou! É André, nosso amigo de
infância.
Thiago veio
ao seu encontro e André notou o olhar de Patrícia se iluminar ao beijar o
marido, o mesmo brilho refletido estava nos olhos de Thiago. André sentiu que
ali havia felicidade. Foi despertado pelo abraço do amigo:
-André, por
onde andou? Sentimos sua falta esses anos todos.
Thiago estava
mais velho e com as têmporas brancas, mas conservava no olhar a inquietude dos
anos de adolescência. E estava imensamente feliz!
A tarde
passou rápida e era madrugada quando deixou a casa. Ele sentia frio. Coisas do
inverno! Mas, pela primeira vez, depois de um longo período, encontrara suas
respostas. Aquele encontro mudara sua vida, sua história. Ainda havia tempo
para ser feliz e acreditar no amor. O passado estava morto. A primavera surgia
finalmente!
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