terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Há sempre um lugar para chamar de seu.


HÁ SEMPRE UM LUGAR PARA CHAMAR DE SEU

            Perdida no meio do sertão, Portal das Flores tinha pouco a oferecer. O nome se dava por possuir um imenso número de flores exóticas nas margens de seu rio principal: o rio Trancoso. Nome que dispensava a geografia e, com certeza, não figurava nos livros geográficos.
          Viver numa cidade pequena tem suas regalias, mas também tem suas dificuldades. Muitos dos habitantes viviam na zona rural e o centro, durante a semana, era praticamente morto. A quitanda, a farmácia, o posto policial e a Sub Prefeitura resistiam à falta de pessoas e de novidades.
            Foi ali que Agenor nasceu e viveu até os vinte anos. Ele era um matuto. Um caipira do sertão onde as chances de sobrevivência não são computáveis ou mensuráveis por qualquer pesquisa de boa qualidade. Mas, conseguira alcançar a idade adulta, aos “trancos e barrancos”, porque Deus quis e, embora isso não fizesse sentido, devia ser por alguma razão.
            Nascera em uma família de dez irmãos e já na infância perdera a metade, vítimas de febre amarela, tifo e outras epidemias que iam e vinham, mas sempre deixavam um rastro de tristeza nos olhos da mãe inconformada com a sina da própria família. Religiosa, ela buscava ajuda nas orações e na batalha do dia a dia. Deus sabe o faz! O pai trabalhava na lavoura de sol a sol “pros japoneis”, como diziam os matutos do lugar. Era a única forma de trabalho. Trabalho duro e perigoso, devido a grande quantidade de agrotóxicos que eles usavam para livrar as plantações das pragas. Não havia roupa adequada, mas mesmo assim as crianças logo cedo já eram empregadas.
            Arlindo, o pai de Agenor, começara a trabalhar aos dez anos e esse ainda era o seu “ganha pão”.  A casa onde morava com a família era de pau a pique, onde a luz natural fazia dela um tapete de luzes que entravam pelas frestas da parede e que em época de chuva causava transtornos e desânimo aos que ali residiam. Na época da seca era hora de tentar tapar os buracos com barro para que a chuva não os pegasse desprevenidos. Completando a mobília da casa havia o fogão a lenha, o forno de barro, algumas panelas velhas, o oratório com vários santos que passavam de geração a geração.
          Luz só a natural: a luz do sol e da lua. Nas noites escuras eram os lampiões de querosene que os iluminavam até a hora do sono e, nas noites de luar, o som dos violões preenchia o silêncio. As famílias deixavam suas casas e se reuniam para as rodas de viola. Aí sim, parecia que o paraíso residia ali.
           Nos fins de semana, a família se reunia para a missa. A missa era sagrada e todos compareciam para agradecer e pedir a Deus por saúde e melhoria de vida.
           Médicos raramente vinham ao povoado e faziam somente socorros de emergência, além de distribuir remédios de graça que traziam numa enorme maleta. Era dona Maria, a esposa do subprefeito quem o acolhia em sua casa. O padre também fazia as refeições lá, embora dormisse em um cômodo feito pelos fiéis no terreno da Igreja.   
            Agenor, não sabia precisar quando as novas idéias começaram a ocupar seus pensamentos. Ele não sabia ao certo o porquê, mas, de tempos em tempos, a ideia de procurar algo além daquelas terras, o que nunca o animara, parecia ser convidativa.    
            Na verdade, se pensasse melhor, tudo teve origem em certo curso de EJA (Educação de Jovens e Adultos) que ele começou a frequentar na paróquia da cidade, ou melhor, tinha origem em certa professora que respondia pelo nome de Alice.
            Alice! Com certeza, não havia nome mais doce e imagem mais linda do que ela! Parecia uma fada ou uma deusa que parecia ter saído de um conto de fadas e desde o primeiro olhar, Alice o deixara nocauteado. Quando Alice foi embora, ensinar na cidade grande, Agenor tomou a decisão de mudar seu destino: ele também ia para cidade em busca da sua professorinha. Sabia ser aquele amor impossível, mas estava disposto a encontrar uma saída  Quem sabe o seu destino não estava com Alice? Era preciso melhorar de vida e estudar bastante para ser merecedor de seu amor.
            De saco às costas onde colocara algumas roupas, aliás, as poucas roupas que tinha e retratos da família, Agenor desembarcou na Rodoviária da Capital do Estado de São Paulo, distante de “sua amada” Minas Gerais e muito mais de sua cidade natal, Portal das Flores.
            São Paulo, o destino de todos! O barulho ensurdecedor de carros indo e vindo o deixou sem fôlego. Sem fôlego era a expressão certa, pois a fumaça dos ônibus deixava o ar irrespirável. Mas, o tamanho da cidade lhe deu a certeza que aquele era o lugar certo para arrumar emprego. As primeiras palavras ditas por ele ao chegar à estação foram:
            -Santo Deus! Que bagunça é esta? Com tanta casa neste prédio, porque estas pessoas dormem na rua?
            A noite chegou e Agenor teve resposta para sua pergunta. Sem lugar para ficar, ele também dormiu na rua, embaixo de uma marquise. No dia seguinte, procurou por emprego o dia todo; quando a fome apertou, Agenor se ofereceu para lavar pratos em troca de comida em uma padaria na esquina onde se abrigou. Os dias passaram e Agenor foi ficando... Ficando... Acabou trabalhando como empregado na padaria.
            Todos gostavam dele; era comunicativo e prestativo e ganhou o respeito de todos. Pensava sempre em Alice e, quando isto acontecia, ele soltava a imaginação: Via Alice lhe encontrando e levando-o para morar em sua casa, mas logo se recuperava e voltava à razão: Precisava estudar e trabalhar muito para ser merecedor do amor dela. Da ideia à ação, Agenor foi rápido. Matriculou-se perto do trabalho.
          O primeiro dia de aula mostrou que não estava enganado, o destino conspirava a seu favor: A professora da turma era Alice. Agenor ainda não se sentia preparado para aquele encontro e se escondeu o mais que pode para que Alice não o descobrisse no meio dos alunos. Mas, não deu resultado; na hora da chamada a sua presença foi denunciada.
            Alice ficou muito feliz, apresentou-o aos demais alunos e quis deixá-lo totalmente à vontade, mas não adiantou, Agenor se sentiu muito mal. Parecia que a sua professora tinha descoberto o real motivo para o abandono de suas terras.
             Ela estava linda e, com certeza, se preocupava com ele: quis saber onde estava morando, se estava trabalhando e se precisava de alguma coisa. Colocou-se à disposição e disse que se precisasse era só chamar.
            Os meses passaram e Agenor se sentia cada vez mais apaixonado. Acompanhava a professora até sua casa e só depois ia dormir no quartinho alugado pelo patrão.
            - Um dia, vou ter coragem! Vou dizer a ela tudo que sinto.
          A formatura chegou. Agenor se formou no Ensino Fundamental . Abraços, diplomas, olhares furtivos, olho no olho. Agenor se decidiu: naquela noite falaria de seu amor. Alice estava sozinha e Agenor se prontificou a levá-la até sua casa. Era oportunidade de conhecer seus pais e falar de amor. Chegaram à casa de Alice e, de longe, percebeu que um rapaz a esperava com uma criança no colo. Poderia ser seu irmão, mas assim que chegou perto, Alice se antecipou e apresentou-o ao rapaz:
            -Este é o meu marido Otávio e meu filho Otavinho.
            Depois, dirigiu-se ao marido:
           -Bem, este é o aluno que lhe falei. Hoje foi sua formatura e, com certeza, ele tem um grande caminho pela frente porque é muito esforçado. Ele é de Portal das Flores, onde lecionei, e veio trabalhar na cidade.
         Caíram por terra todos os seus sonhos! O chão lhe fugiu dos pés e por pouco não desfaleceu. Parecia que tinha levado um soco no estômago. Saiu às pressas, após um aperto apressado nas mãos que lhe foram estendidas.
            Homem não chora, mas Agenor chorou. Sentia raiva de sua ingenuidade de moço do campo. Ele confundiu tudo: Alice jamais seria dele. Os sorrisos, a atenção era apenas uma prova de amizade. Como fora criança!
            No dia seguinte, já havia feito as malas para voltar a sua terra, a sua gente.
            - Lugar de caipira é em casa!- choramingava.
         Os pais não entenderam aquele retorno repentino, mas Agenor disse que fora a saudade que o trouxera de volta.
            Voltou a estudar, mas agora com certeza de suas ambições. Estava resolvido a melhorar de vida e de alguma maneira tornar a vida da família menos difícil, inclusive as condições de vida de toda a cidade. Ainda não sabia como, mas faria a diferença! Sabia que o caminho era pela educação. Um dia estaria formado e pronto para dar o melhor pela sua cidade. Aqui era o seu lugar, o lugar onde residia a sua felicidade. As demonstrações de carinho que recebera na sua volta lhe deram a certeza do quanto era querido.
             O retorno às aulas também foi especial, Agenor passou a reparar tudo que acontecia a sua volta e já notava os olhares que as moças lhe davam e, em especial, o olhar de Rosinha. Soube que ela chorara muito com sua partida. E, ela era linda; muito mais linda que certa professora!
            Agenor estava em casa! Povo mineiro é assim, sempre espera seus filhos de braços abertos. 
                          

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