“Deixa a vida me levar”
- “Parabéns a
você, nesta data querida. Muitas felicidades e muitos anos de vida”.
O
coro de vozes ecoou pelo salão e Violeta se sentiu a melhor das criaturas.
Tinha muitos amigos e todos estavam ali para comemorar seu aniversário. Ela era
jovem, feliz e bonita. Muitos amores passaram por sua vida, mas ela não estava
disposta a partilhar a sua liberdade. É claro que, ultimamente, a sua vida
sentimental não andava “as mil maravilhas”. Pela primeira vez estava há um ano,
sem namorado.
-
“Com quem será... Com quem será... Com quem será que a Violeta vai casar”.
Era
só uma brincadeira, mas tocou fundo seu coração: tinha ficado pra titia. Por
que isso a incomodava?
Aniversário de
quarenta anos! Ela notou o inevitável: todos seus amigos eram casais. Em sua
festa, somente ela estava só. Sobrando...
-
Parabéns, nós lhe desejamos toda a felicidade do mundo e que, finalmente, você
arranje um marido. - falou Celinha, como porta-voz do grupo.
Violeta
sentiu um calafrio. De repente aquelas palavras corriqueiras, ditas jocosamente
nessas ocasiões, pareciam repletas de maledicências e também um alerta.
A
festa estava bastante animada e à medida que as horas passavam, o teor
alcoólico ia subindo e os pudores caindo por terra. Violeta percebeu que alguns
casais já saiam pelo jardim em busca de um cantinho mais escuro, outros
trocavam juras pelo salão. Não precisavam dela.
-
Por favor, sintam-se à vontade. O último que sair apague a luz. Há muitas
bebidas na geladeira. Tô indo. Fui. – disse Violeta ao sair pela porta do
salão.
A lua estava
linda e fazia muito calor. Violeta se permitiu andar um pouco pelas calçadas
deixando seu carro no estacionamento. De manhã, viria buscá-lo. Deixou-se
divagar, sem censuras, pensando em sua vida. Profissionalmente, estava
realizada, mas sentimentalmente... Os amores vieram e foram como suas viagens.
Não se apegara a nada. Não tinha tempo para isso.
-Casamento
não é pra mim, não tenho paciência. – dizia quando lhe perguntavam. Mas,
naquele dia, algo tinha mudado: sentia-se velha.
Absorta em
seus pensamentos não viu o tempo passar e quando reparou era hora de chamar um
táxi, pois estava distante do estacionamento e longe de casa.
Foi
assim que conheceu Marcos, o motorista do táxi:
- Pra onde
devo levar a senhora? – perguntou, gentilmente, assim que ela entrou no
veículo.
-
Pra casa. Vou lhe dar o endereço.
-
Algum problema? Caminhar sozinha pelas ruas é perigoso...
Conversar
com um desconhecido poderia ajudá-la.
-
Hoje é meu aniversário de quarenta anos e descobri que o tempo passou. Estou
ficando velha.
-.
Parabéns! Mas, você ainda é muito jovem.
-
Eu estava com amigos, mas todos estão casados. Sou a única solteira do grupo.
-
Com certeza é porque você quer.
-
Obrigado. Você é gentil. Faz parte da sua profissão. Qual é seu nome?
-
Marcos, às suas ordens. E o seu?
- Violeta.
Uma conversa banal. Mas, porque Violeta não
conseguia esquecer aquele homem. Ele era bem mais jovem, uns trinta anos. Era
bonito, mas nada fino. Aparentava não ter muita cultura social.
“Inculto e belo, como a nossa língua
portuguesa”. - pensou Violeta, lembrando o poeta.
Dias depois,
Violeta deixou seu carro para revisão e foi para o trabalho a pé. Mas,
inesperadamente, uma chuva “fora de hora” desabou e Violeta teve que “apertar
os passos”. Ao ver um táxi, gritou e o carro deu “marcha à ré”. Quando o
motorista abriu a porta era Marcos.
-Bom dia.
Nossa! É você. Conversamos da outra vez que peguei seu táxi. Eu estava saindo
de uma festa. – disse Violeta assim que deu o endereço da firma onde trabalhava.
-Me desculpe,
é que conheço muitas pessoas. Mas, você tem boa memória.
- Me leva
neste endereço. Você foi muito gentil...
Violeta
escreveu o endereço num cartão de visitas e recebeu o dele em troca:
-Ah! Me
lembrei. A moça que caminhava sozinha no dia de seu aniversário! Telefone pra esse número, sempre que
precisar. Será um prazer. - disse Marcos entregando o cartão.
O trajeto era
curto. Não conversaram muito.
-Obrigada. É
uma pena, mas, já chegamos. - completou Violeta sorrindo.
A semana toda,
ela deixou o carro na garagem. Telefonava para Marcos e ele vinha apanhá-la no
inicio e fim do período. Ele era gentil, educado e no final da semana já se
consideravam amigos.
Aos poucos a
amizade foi aumentando e Marcos já a levava em todos os lugares. Contou-lhe
sobre sua vida. Era solteiro, mas já há algum tempo estava “enrascado”, mas não
apaixonado.
Que Marcos era
bonito, não havia dúvida, mas que gostasse de gastar dinheiro dele, havia
dúvidas e Violeta notou já nos primeiros meses de envolvimento.
No começo, ela
se oferecia para pagar as despesas, mas depois de alguns meses até o motel era
pago por ela. Ela não reclamava, estava fascinada com a possibilidade de
mudança em seu estado civil. Os amigos estranharam o namorado. Mas, isto pouco
importava; eles não tinham nada a ver com seus pretendentes.
O que era para
ser um envolvimento racional se tornara uma paixão. Violeta estava apaixonada,
mas exigia exclusividade: não queria dividir seu amor com ninguém.
-Eu lhe ajudo,
mas quero você só para mim. – sentenciou ao namorado depois de alguns meses de
envolvimento.
Acontece que
Marcos estava cansado da vida que levava: dinheiro contado, sempre correndo
atrás do prejuízo. Aquele romance veio “a calhar”.
- Estou muito
apaixonado por você. Resolvi encarar o casamento. - falou Marcos.
Quatro meses
depois estavam casados e em lua de mel pelo Caribe. Para ela um sonho
realizado, para ele um deslumbramento.
O retorno à
rotina do dia a dia fora inevitável. Violeta voltou para o trabalho, Marcos
para a praia. Não ficava bem um marido taxista. E os meses foram passando...
Agora que a
euforia do casamento passara, Violenta estava convencida que entrara em “uma
roubada”. Marcos não parecia disposto a trabalhar, não gostava dos lugares que
ela freqüentava e, quase sempre, não a acompanhava. Preferia “sombra e água
fresca”.
O tempo se
encarou de minar os últimos vestígios da paixão. A separação era inevitável. Na
verdade, ela conseguiu o que sempre quis: mudar seu estado civil, mas não tinha
um marido. A separação se tornara
inevitável. Não havia diálogos, nem paixão, nem encantamento...
Naquela manhã,
depois de uma noite inesquecível, ao voltar para casa, Marcos encontrou duas
malas na soleira da porta e um bilhete:
-Fui trabalhar.
Vá pra um hotel. Quero me separar. O meu advogado lhe procurará.
Ele estava
surpreso. Violeta o estava abandonando. Perdera sua mina de ouro, mas achou
melhor obedecer, não adiantava ficar brigando. Sentiu que não havia outra
saída, mas exigiria uma indenização, não ia sair do “negócio” de mãos
abanando.
Violeta estava
feliz em ter sua liberdade de volta, mesmo que o preço fosse caro. Marcos
exigiu apartamento, carro e algum dinheiro. Violeta concordou.
Agora era uma
mulher divorciada, uma situação bem melhor perante a sociedade do que uma
“encalhada”. Sentia uma ponta de tristeza como alguém que ganhou o primeiro
prêmio, mas não o levou. Ela ainda pensava na vida, quando ouviu uma música que
parecia um consolo:
“A vida é
mesmo assim, alguém tem que perder, pra outro entrar no jogo”. Era preciso
virar essa página.
Naquela noite, Marcos dançava feliz na roda de
samba:
“Deixa a vida
me levar, vida leva eu. Sou feliz e agradeço tudo o que Deus me deu”.