Tempos modernos
Há tempos venho questionando a
respeito da nossa mudança de comportamento e de opinião diante do escuso, do
ilícito, do imoral. O que hoje nos causa indignação e condenação, amanhã poderá
ser considerado normal. A intolerância é relativa no tempo e espaço. Isto não é
nenhum estudo ou constatação minha; vários artigos de jornalistas renomados,
escritos em revistas famosas ou livros tratam deste fenômeno. É o sinal dos
tempos!
Para exemplificar melhor, podemos
afirmar que muitos homens de bens, considerados probos e incapazes de condutas
duvidosas, frente à violência e a falta de ética se mostram tolerantes e, às
vezes, permissivos. Este fato é visível se computarmos os diferentes pontos de
vista gerados diante de um ato violento.
Em nome da extirpação do mal e
preservação dos direitos sociais, crimes são cometidos diariamente pelos que
detêm o poder nas mãos, seja ele paralelo ou legal. Quem ainda não se deparou
com atrocidades mostradas nos jornais, cometidas em nome da ordem e dos bons costumes
por milícias? Ou ainda, quantas vezes nos alegramos com desfechos violentos por
falta de alternativas diante de um fato, por exemplo, a solidariedade com o
extermínio de quem representa perigo pessoal ou familiar. Até mesmo a violência
doméstica, já se tornou comum e rotineira diminuindo nosso poder de indignação.
Muitas vezes, testemunhamos que existe, mas não nos envolvemos. Como Pilatos,
lavamos as mãos.
Essas atitudes já são aceitas como
corretas no convívio social, algumas têm respaldo na nossa vivência do dia a
dia: a violência deixa homens de bem, presos em suas casas com grades nas
janelas e portas, perplexos diante do perigo que mata entes queridos. Todos
sabem que mesmo dentro da própria casa o sujeito não está seguro, pois pode ser
atingido até por bala perdida, como acontece nos grandes centros urbanos,
diante de um conflito. Essa fobia generalizada faz com que um só sentimento
encontre eco: arrancar o mal pela raiz. Outras atitudes vêm de paradigmas
arcaicos herdados de nossos antepassados, como diz o provérbio “em briga de
marido e mulher ninguém mete a colher”. E por aí vai, em nome da “família”
muitos crimes são cometidos e não denunciados.
A violência se constitucionalizou em
suas diversas formas: violência nos estádios de futebol entre os torcedores,
violência policial contra as torcidas, violência do mais forte contra o mais
fraco, seqüestros, violência entre casais, pais e filhos, violência contra
idosos, contra raça, opção sexual, religiosa. Em qualquer lugar ela está
presente: nas escolas, ruas, becos, favelas, etc.
É comum acompanharmos pelos jornais
e revistas casos onde a violência predominou de ambos os lados: do agressor e
do agredido. Por exemplo, o invasor de terras produtivas fere o direito de
propriedade, atacando, usufruindo e, muitas vezes, destruindo o que não lhe
pertence; por outro lado, o fazendeiro tentando proteger seu patrimônio,
desdenha a lei e a ordem e responde “à bala”.
Mas, até quando o imoral é ilícito e
vice-versa? Tudo depende da formação de cada pessoa, suas convicções religiosas e
morais e sua vivência ou sobrevivência nos tempos atuais.
O que realmente é novo e impressiona,
é a falta de indignação e reflexão da sociedade e dos poderes constituídos
diante da vida e da violência. Houve a banalização da vida, ela perdeu o sentido e
a violência não choca mais. A morte violenta deixou de ter impacto negativo entre as
pessoas. Os sentimentos gerados de perplexidade diante de um episódio duram o
tempo exato do noticiário da TV ou de uma reportagem. Poucos refletem sobre o
acontecido e quando há diálogos, os mesmos são antagônicos diante do fato. O
que antes possuía uma só vertente, uma só resposta, agora é, por vezes, fator
de discórdia. Enquanto o fato estiver sendo noticiado pela mídia, nós nos emocionamos
e nos escandalizamos, mas não passamos disso. A nossa memória só é reativada
diante de um fato novo.
Se de um lado como cidadãos nos indignamos com o não
cumprimento ou a ausência de leis que nos protejam e conservem um marginal na
cadeia, por outro lado percebemos essa pseudo-segregação: as facções criminosas
matam e destroem de dentro das penitenciárias. Bandidos matam, corrompem e têm
mordomias de homem livre.
A impunidade aumenta e a sociedade corre perigo. As leis existentes são
brandas e não resolvem o problema. O cidadão perdeu a sua dignidade, o direito
de ir e vir, o direito de ser livre; tornou-se refém de seu semelhante e,
incontestavelmente, vê poucas alternativas para manter sua integridade física.
Em nome desta integridade, não vê alternativas que não seja a reação pela
violência. A vida do outro é deixada de lado, só se pensa em sua sobrevivência.
O que mais choca é que se trata de
um fenômeno mundial. Não é privilégio do primeiro, segundo ou terceiro mundo.
Todos nós fomos contaminados com a falta de indignação diante da degradação
humana. Mesmo quando nos indignamos diante das injustiças sociais e a má
distribuição de renda frente à miséria, o trabalho escravo, a promiscuidade e
outras formas de comportamentos hediondos que nos desumanizam e corroem, somos
passivos ante as segregações sociais que ferem a dignidade humana incutindo em
nossos irmãos a baixa auto-estima, o despreparo para o trabalho, pela luta
diária, fazendo-os submissos e subservientes do poder mais alto. Tudo isso é notório. Nada é novo.
O que se constata é que a vida
perdeu o valor e as leis perderam o significado. As guerras civis no mundo são
os principais exemplos de violência e incapacidade humana através dos diálogos.
O caminho de volta talvez não exista mais, mas sempre há uma esperança. Para
mudar o rumo da história há a democracia, o voto do povo. O direito de escolher representantes do Parlamento e Senado
que se preocupem com as necessidades do povo. Isto é essencial. São deles que
partem as Leis. Eles têm o poder nas mãos em qualquer país democrático.
Mas, o aí o cidadão brasileiro se
depara com mais uma constatação, frente aos últimos acontecimentos políticos no
Brasil: a mudança de valores éticos, a violência interna contra os bons
princípios. Não da reação a escândalos que, de tantos, não parecem mais ferir a
suscetibilidade de ninguém por existirem, eles existem e dificilmente sairão do
meio político onde a ajuda mútua provoca a impunidade e tudo é esquecido, mas da falta de respostas dos eleitores diante daqueles que cometeram os crimes. Diante da
“roubalheira” generalizada de nossos representantes.
Parece que a nossa capacidade de
indignação foi “pro brejo”. O certo virou errado e vice-versa. Perdeu-se a
capacidade de discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado. Aprendeu-se a
conviver com o ilícito, com o corrupto. É claro que muitas pessoas exacerbam e clamam
por um julgamento justo, mas muitos perderam a capacidade de se revoltar ou de
sonhar. Essa resposta
de esperança é o resultado das urnas.
. É salutar ressaltar que esse procedimento de conviver com o errado não é generalizado e ainda há esperanças de mudar o caminho da história. Os
jovens estão aí para corrigir e colocar o Brasil de volta aos trilhos. O fato é
que muitos cidadãos se tornaram complacentes e, por vezes, solidários, diante
da situação política vexatória com que se deparou nos últimos dias. Tudo se
tornou normal, é a típica aceitação do “rouba mais faz”, ou “faz parte do jogo
político”. Muitos perdoaram e se confraternizaram com o ilícito. É só
verificarmos o resultado das urnas nas últimas eleições.
O direito de decisão sobre os
caminhos do País é soberano, legítimo e faz parte da democracia. Presenciar e
participar da Democracia, do poder do voto é um direito, mas muitas vezes é
exercido de maneira errônea. Graças a Deus, a Lei da Ficha Limpa, minimizou o
caos e muitos políticos com passado sujo não puderam ser reeleitos. Mesmo
assim, é notório o fato de que perdemos a capacidade de indignação diante do
pecado, do imoral. Não somente demos a outra face, mas o aval para eternizar o
erro. Isso continua sendo atestado nas urnas. Fato lamentável!
Ironicamente,
a votação do aumento do salário mínimo ou um novo projeto social, mais que
necessário frente à desigualdade de distribuição de renda do País, aplacarão os
sentimentos dos mais reticentes. Se o sujeito votou a nosso favor, é porque é
bom.
A
capacidade de aceitação da corrupção como norma de conduta política não é nova. Ao legitimar alguns
representantes que aí estão, demos a permissão para continuidade de atitudes
indecorosas.
Perde o Brasil na educação de seus filhos. Perdemos
todos nós.
Leone Araújo Vieira